terça-feira, 13 de outubro de 2009

DESAFIOS e MUDANÇAS / ENSINO SUPERIOR

DESAFIOS E MUDANÇAS PARA UM ESTUDANTE DISLÉXICO
NO ENSINO SUPERIOR

Verifica-se que apesar das dificuldades na leitura e ortografia poderem ser compensadas em vários níveis, as dificuldades residuais de adultos disléxicos, incluem, tipicamente, uma reduzida velocidade de leitura, uma soletração fonética e pobreza na ortografia. Paralelamente, os "efeitos secundários" como a reduzida auto-confiança, baixa auto-estima e elevados níveis de frustração poderão influenciar negativamente o desempenho escolar (Riddick, et. al., 1997, citados por Hatcher, Snowling & Griffiths., 2002). Na maioria das vezes, isso efetivamente acontece, apesar de cognitivamente não existirem diferenças entre os estudantes com e sem Dislexia.
Para além dos estudantes com Dislexia não conseguirem ler e escrever da mesma forma que os seus colegas sem esta NEE, também sentem maiores dificuldades na aquisição de competências de estudo. Relativamente a esta dimensão, e de acordo com Hatcher, Snowling & Griffiths (2002), o impacto da Dislexia varia de acordo com as Unidades Curriculares, registrando-se também uma grande variabilidade de respostas utilizadas pelos estudantes sendo que alguns conseguem implementar estratégias de coping, usando inclusivamente excelentes estratégias de estudo e outros estudantes revelam mais dificuldades neste domínio.
De todos os aspectos mencionados, há um que assume uma relevância particular no ES: a expressão escrita. De acordo com a experiência do SAPE, os estudantes têm solicitado apoio no sentido de estruturar e organizar o discurso escrito, permitindo desta forma demonstrar os conhecimentos adquiridos. Este apoio tem sido prestado individualmente, procurando-se, paralelamente, delinear estratégias que permitam reduzir os elevados níveis de ansiedade que com frequência se encontram associados.
Em relação a este último aspecto, no estudo de Carroll e Iles (2006) verificou-se que os estudantes disléxicos experienciam maiores níveis de ansiedade e sentimentos de incompetência acadêmica e escrita do que os grupos de controle. Efetivamente, os estudantes do ES identificam sentimentos negativos devido ao ambiente competitivo e à necessidade de elevadas competências de literacia. Em comparação com os pares, os alunos disléxicos necessitam de mais tempo e esforço adicional devido às dificuldades na leitura e expressão escrita, acrescidas dos novos desafios e mudanças que a frequência do ES implica, apresentando maiores níveis de ansiedade-traço comparativamente com estudantes não disléxicos, quer em situações acadêmicas, quer em situações sociais. De salientar que os estudantes disléxicos demonstraram maiores níveis de ansiedade-estado perante situações em que as competências de leitura estavam a ser avaliadas.
No estudo supra citado as diferenças de gênero apresentadas revelaram que as estudantes disléxicas teriam mais necessidade de dialogar sobre as suas experiências e preocupações. Registra-se também alguma evidência de que as estudantes disléxicas estariam mais sujeitas a sintomas relacionados com a ansiedade do que os estudantes disléxicos (Carroll & Iles, 2006). Esta tendência parece verificar-se também no nosso Serviço, uma vez que dos oito estudantes em acompanhamento, seis são do sexo feminino, o que pode refletir a sua maior preocupação com a resolução deste problema.
Daqui decorrem implicações práticas de grande relevância, nomeadamente a necessidade de aprofundar o desenvolvimento de estratégias de coping e de locus de controle, perspectivadas enquanto fatores protetores. A intervenção a este nível poderá revelar-se de extrema complexidade principalmente quando estas questões acompanham os estudantes desde a primeira infância.
Neste âmbito, gostaríamos de salientar que será essencial uma avaliação do bem-estar do estudante, assim como das suas necessidades, para se poder analisar os benefícios do apoio a disponibilizar. Desta forma, verificamos que se justifica o aconselhamento a estudantes disléxicos, que tem sido prestado pelo SAPE, no sentido de potenciar estratégias para lidar com os elevados níveis de ansiedade associados, tal como se encontra referenciado na literatura (Carroll & Iles, 2006).
Quer a nível nacional, quer internacional têm também sido implementadas várias estratégias inovadoras, procurando desenvolver e melhorar o desempenho dos estudantes disléxicos. Em Portugal, existem dados sobre uma plataforma de e-learning para estudantes disléxicos que frequentam os ensinos básico e secundário, desenvolvida na Escola Secundária Frei Heitor Pinto, na Covilhã (Rocha, Pereira & Pereira 2009). Noutros países, existem já dados sobre o recurso a grupos de suporte, que permitem apoiar os estudantes com Dislexia, no sentido de os ajudar a lidar com o stress relacionado com a entrada no ES. Para já, e de acordo com French & Herrington (2008) sabe-se apenas que estes grupos funcionam como uma oportunidade para conhecer colegas disléxicos, como um espaço de partilha de dificuldades e de experiências do ponto de vista da inclusão e ainda de desenvolvimento do conhecimento sobre Dislexia.
Este tipo de projetos e "experiências" ajuda-nos a compreender que, cada vez mais, para as instituições de ensino superior, é fundamental encarar os estudantes disléxicos como pessoas que estão a aprender sobre a sua própria problemática devendo ser encorajadas a fazê-lo. Estes estudantes têm ainda que lutar contra os preconceitos de que "não são inteligentes" ou "são preguiçosos", experienciando a tarefa acrescida de desenvolverem uma integração num contexto educacional que (ainda) não está preparado para dar resposta às referidas NEE (Zambo, 2004 citado por French & Herrington, 2008).
Na verdade, se compararmos a simples leitura de palavras de um estudante do ES disléxico com a de um colega não disléxico, provavelmente não encontraremos diferenças significativas nas competências de leitura. "Estes estudantes podem ter compensado ou desenvolvido estratégias para contornar as dificuldades que sentiram desde cedo na vida" (McLoughlin, Fitzgibbon & Young, 1994; McLoughlin, 1997, citados por Simmons. & Singleton, 2000, pp. 178-179). No ES "as características mais salientes serão: a dificuldade em tirar apontamentos, escrever trabalhos, fazer revisões para momentos de avaliação ou compreender grandes quantidades de texto complexo" (Gilroy & Miles, 1996; Riddock et.a/., 1997;Singleton, 1999, Simmons & Singleton, 2000, p. 1 79). Estas dificuldades levam-nos a refletir sobre dois aspectos que nos parecem importantes: por um lado a necessidade de trabalhar especificamente estas competências; por outro a necessidade de ter em conta estas características, quando do procedimento de avaliação.
Ainda a este respeito, Jamieson & Morgan (2008) referem que, muitas vezes, os agentes educativos sentem dificuldade em saber como apoiar as dificuldades destes estudantes, cuja problemática nem sempre é bem compreendida. No trabalho de Singleton (1995, 1996) e Beech & Singleton (1997) foram referidas as preocupações relativamente aos diferentes métodos e critérios de avaliação usados no ES para identificar estudantes disléxicos. Na verdade, a avaliação reveste-se de grande importância dada a necessidade da sua consistência e objetividade, uma vez que condicionará as decisões futuras no âmbito do apoio a disponibilizar (Simmons & Singleton, 2000)

Referência Bibliográfica

Pires, Lília (2009) Levantamento Nacional dos apoios aos estudantes com deficiências no ensino superior. IN GTAEDES (Ed. I seminário GTAEDES “Contributos para uma Universidade Inclusiva” realizado no dia 22 de janeiro de 2009 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

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