terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A Hipótese do Déficit Fonológico da DISLEXIA

A HIPÓTESE DO DÉFICIT FONOLÓGICO DA DISLEXIA

É possível supor que, durante todo o desenvolvimento da linguagem, as crianças liguem a fala que ouvem às expressões que produzem. Falando de maneira ampla, esse é um aspecto fundamental do desenvolvimento fonológico. À medida que o sistema fonológico da criança se desenvolve, tais vínculos ou "representações" tornam-se pouco a pouco aperfeiçoados (Nittrouer e Studdert-Kennedy, 1987). É provável que os aperfeiçoamentos tragam com eles melhorias em algumas habilidades cognitivas subjacentes ao desenvolvimento da leitura, como, por exemplo, melhorias no acesso às formas faladas das palavras, como é requerido nas tarefas de consciência fonológica, e aumentos na capacidade da memória verbal de curto prazo, porque esta se baseia em códigos fonológicos (baseados na fala) (Snowling e Hulme, 1994).
Para a maioria das crianças, o sistema fonológico é totalmente formado na 'época em que elas iniciam o aprendizado da leitura. Pode, por isso, proporcionar uma base para o sistema de leitura, que pode ser considerado como parasítico daquele. Na verdade, várias teorias recentes do desenvolvimento da leitura propõem que as crianças estabelecem conexões diretas entre as representações de palavras impressas e as representações de palavras faladas no seu sistema de linguagem (Ehri, 1992; Goswami, 1994; Rack et al., 1994). Em um estágio posterior, (( conhecimento incorporado nestas representações se generaliza para f permitir que novas palavras sejam "decodificadas" (cf. Seidenberg e McClelland, l, 1989). Neste ponto, terá sido criado um sistema de leitura mais flexível.
Portanto, a partir dessas teorias de desenvolvimento da leitura, a situação das representações fonológicas básicas das crianças determina a facilidade com que elas conseguem aprender a ler (Hulme e Snowling, 1992b). O desempenho em uma série de tarefas de processamento fonológico, incluindo testes de consciência fonológica, memória verbal de curto prazo ou nomeação verbal, também requer acesso a representações fonológicas. Provavelmente, seja por essa razão que o desempenho nessas tarefas tenda a ser extremamente relacionado com o desempenho na leitura.
Desde 1980, surgiu na literatura um grande número de estudos apontando para as dificuldades de linguagem em crianças disléxicas, especificamente no nível da fonologia (Shankweiler e Crain, 1986). 'Talvez a dificuldade relatada de forma mais consistente seja os problemas com a consciência fonológica (Bradley e Bryant, 1978; Manis, Custodio e Szeszulski, 1993) e com a memória verbal de curto prazo (Siegel e Linder, 1984; Johnston, Rugg e Scott, 1987; Torgeson et al., 1988). Há também evidências de que as crianças disléxicas têm problemas com a aprendizagem verbal de longo prazo, como, por exemplo, a memorização dos meses do ano ou as tabelas de multiplicação.
Outra tarefa que requer a recuperação de informações fonológicas da memória de curto prazo é a nomeação. As dificuldades para encontrar palavras são freqüentemente relatadas em crianças disléxicas, e os estudos experimentais que usam tarefas de nomeação rápida relatam deficiências nos disléxicos (Denk1a e Rudel, 1976). Estendendo esse trabalho à nomeação de objetos, Katz (1986) descobriu que as crianças disléxicas eram menos capazes do que as crianças-controle de rotular os objetos do Boston Naming Test e tinham uma dificuldade particular com palavras de baixa freqüência e com polissílabas. Da mesma maneira, Snowling, van Wagtendonk e Stafford (1988) descobriram que os disléxicos cometeram mais erros de nomeação do que as crianças da mesma idade e de vocabulário similar quando foi solicitado que nomeassem objetos após a apresentação de figuras ou após definição falada. No geral, esses achados são consistentes com a visão de que as crianças disléxicas experimentam problemas específicos na recuperação de informações fonológicas da memória de longo prazo e são compatíveis com os estudos das crianças em risco que apontam para dificuldades similares precoces no desenvolvimento.
Vários estudos têm usado testes de percepção da fala e produção da fala para explorar as possíveis bases das dificuldades que as crianças disléxicas encontram com o processamento da linguagem. Brandt e Rosen (1980) investigaram a percepção das consoantes explosivas, como, por exemplo, [d] e [p], por parte de leitores disléxicos e leitores normais. Descobriram que os leitores disléxicos desempenhavam-se como crianças em um estágio inicial de desenvolvimento, um achado similar àquele de Godfrey e colaboradores (1981) Reed (1989) descobriu que as crianças disléxicas tinham mais dificuldade para determinar a ordem em que duas consoantes ou dois sons breves eram apresentados do que leitores normais da mesma idade. Em contraste, os julgamentos de ordem temporal que envolviam vogais em situação fixa não causaram dificuldade. As crianças disléxicas também tiveram mais dificuldade com uma tarefa de identificação de palavras em que a palavra apresentada por meio auditivo tinha de ser relacionada com uma de duas figuras, diferindo por um único fonema (por exemplo, goal-bowl'). Elas também eram menos . consistentes em suas categorizações fonêmicas dos estímulos.
Consideradas juntas, essas descobertas sugerem que as crianças disléxicas têm dificuldade com a percepção de sugestões auditivas breves, uma dificuldade que poderia plausivelmente ser responsável por seu desempenho prejudicado em várias tarefas de processamento fonológico. Essa dificuldade tem sido há muitos anos considerada por Tallal e seus colegas (Tallal e Piercy, 1973; Tallal et aI., 1980) como fundamental para a causa de desordens específicas da linguagem.
As crianças disléxicas também têm relatado ter dificuldades com a produção da fala (Snowling, 1981, Brady, Shankweiler e Mann, 1983). Snowling, Goulandris, Bowlby e colaboradores (1986) estenderam essas descobertas e mostraram que as crianças disléxicas têm dificuldades específicas com a repetição de não-palavras. Essa dificuldade foi interpretada como um problema dos processos de segmentação que medeiam entre a percepção da fala e a produção da fala. É discutível se os déficits de linguagem observados nestas experiências estão relacionados a dificuldades, primeiro em estabelecer, depois em acessar, representações fonológicas adequadas. Tais dificuldades podem, enfim, explicar déficits cognitivos mais abrangentes nas crianças disléxicas.

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