sábado, 20 de dezembro de 2008

O que é realmente a dislexia

Normalmente, quando ouvimos a palavra dislexia pensamos apenas em problemas que crianças estariam tendo na escola com leitura, escrita, ortografia e matemática. Alguns associam-na apenas a troca de letras ou palavras, outros à lentidão de aprendizagem. Quase todos a consideram uma forma de transtorno da aprendizagem. Na verdade, isso é apenas um aspecto da dislexia. Quanto ao lado “positivo” da dislexia encontramos pessoas que são e foram considerados gênios, apesar de serem disléxicos.
A genialidade deles não ocorreu apesar da dislexia mas por causa dela!
Ter dislexia não faz de cada disléxico um gênio, mas é bom para a auto-estima de todos os disléxicos saberem que suas mentes funcionam exatamente do mesmo modo que as mentes de grandes gênios. Também é importante saberem que o fato de terem um problema com leitura, escrita, ortografia ou matemática não significa que sejam burros ou idiotas. A mesma função mental que produz um gênio pode também produzir esses problemas.
A função mental que causa a dislexia é um dom, no mais verdadeiro sentido da palavra: uma habilidade natural, um talento. Alguma coisa especial que engrandece o indivíduo.

Alguns Disléxicos Famosos

¤ Agatha Christie / Alexander Graham Bell / Alexander Pope / Albert Einstein / Amy Lowell / Anwar Sadat / Auguste Rodin

¤ Ben Johnson / Beryl Reid (atriz inglesa) / Bruce Jenner

¤ Charles Darwin / Cher (cantora) / Constantino (Rei da Grécia)

¤ Darcy Bussel / David Bailey / David Murdock / Dexter Manley / Don Stroud (ator e campeão mundial de surf) / Duncan Goodhew (campeão de natação)

¤ Francis Bacon / Franklin D. Roosevelt

¤ George Washington / George W. Bush Jr / General George Patton / greg Louganis

¤ Hans Christian Andersen / Harrison Ford / Harry Belafonte / Harvey Xushing (pai da cirúrgia neurological moderna) / Henry Ford / Henry Winkler

¤ Jackie Stewart (piloto de corridas) / John F. Kennedy / John Lennon / John Rigby (dono do parquet temático) / Joyce Bulifant (atriz) / Júlio Cesar

¤ Keira Knightley (atriz inglesa)

¤ Lawrence Lowell / Lewis Carroll (autor) / Leslie Ash (atriz inglesa) / Lindsay Wagner / Lord Addington / Loretta Young / Leonardo Da Vinci

¤ Magic Johnson / Margaret Whitton / Margaux Hemmingway / Mark Stewart (ator / filho de Jackie Stewart) / Mark Twain / Michael Barrymore (comediante) / Michael Hesetine / Michelangelo / Muhammad Ali

¤ Napoleão Bonaparte / Nelson Rockefeller / Nicholas Brady (US Secy Treasury)
Nicholas Bush (Filho do presidente EUA) / Nicholas Parsons (Ator inglês) / Nicola Hicks (Escultora Inglesa)
¤ Oliver Reed (Ator Inglês) / Orlando Bloom (Ator Inglês)

¤ Pablo Picasso / Paul Stewart (piloto de corridaslFilho de Jackie Stewart) /Peter Scott (pintor) / Phil Harris (do Harris Queensway)

¤Quentin Tarantino

¤ Robin Williams / Richard Chamberlain / Richard Rogers (Arquiteto inglês) / Rob Nelson (Jogador de baseball profissional) /Robin Williams / Roy Castle (Ator inglês)

¤ Sarah Miles (Atriz inglesa) / Sir Joshua Reynolds / Stanley AntonotI, D.D.S. / Stephen J. Cannell / Susan Hampshire (Atriz inglesa)

¤ Ted Turner / Thomas A. Edison / Tom Cruise / Tom Smothers

¤ Vincent van Gogh

¤ Walt Disney / Winston Churchill / Walt Disney / Whoopi Goldberg / Willard Wiggins (Escultor) / William Butler Yates / Woodrow Wilson

As recentes gafes lingüísticas do presidente George W. Bush Jr são evidências muito concretas de urna dislexia que se severa a cada ano, a cada evento, a cada nova circunstância política. Mais recentemente, em fevereiro de 2002, durante sua visita ao Japão, em entrevista coletiva conjunta com o primeiro ¬ministro japonês Junichiro Koizumi, Bush disse "desvalorização" em vez de "deflação", o que acabou por provocar pânico no mercado de câmbios. Qual a origem dos lapsos de Bush Jr?
Os tropeços verbais de Bush não são de hoje. Ele é famoso por suas inumeráveis gafes lingüísticas em matéria de política internacional. Decerto, isso não ocorre somente por ignorância ou desinformação, mas por ser portador de dislexia. Durante sua campanha à Presidência dos EUA, seus lapsos gramaticais e, principalmente, ao inventar, nos discursos de improviso, palavras inusitadas e estranhas ao idioma inglês, tal comportamento lingüístico indicava, para os opositores, um despreparo para assumir a presidência dos EUA. Todavia, a dislexia de Bush, herança familiar, não compromete nem comprometeu, até agora, sua inteligência e capacidade de liderar o País.
Bush é um disléxico com visão de mundo, e ficará na história, não apenas pelos atentados de 11 de setembro, mas também como um homem que faz a auto-anulação de seus erros, ao admitir e rir dos lapsos de linguagem. Quando erra, quando troca 1etra ou palavra, não pensa em duas vezes para, em seguida, pedir desculpas ao interlocutor pela troca involuntária e dá um sorriso franco, próprio de quem aprendeu a vencer os próprios limites de linguagem verbal. O que acontece com Bush aconteceu com figuras proeminentes como Leonardo Da Vinci, William Butler Yeats, Albert Einstein e também o ex¬-governador de Nova York David Rockefeller.
Ao que tudo indica a dislexia de Bush é hereditária. O avô de George Bush Jr, Prescott Bush, era disléxico. As dificuldades de leitura também podem ser constatadas no seu irmão Neil, que já recebeu um diagnóstico de dislexia. Da família, Bush Jr, em que pese ter consciência do problema lingüístico, ainda não se submeteu aos testes de diagnóstico de dislexia. Sua mãe, Barbara, porém, tem participado de várias campanhas sobre o esclarecimento dessa síndrome e admite, publicamente, as dificuldades de leitura e de compreensão de textos nos demais membros da família.
No caso da troca de "deflação" por "desvalorização", esta clara manifestação de comportamento disléxico recebe, no âmbito dos estudos sobre as dificuldades de leitura, o nome de paralexia verbal. A paralexia designa o comportamento de um paciente que substitui uma palavra por outra quando lê ou escreve. O disléxico escuta bem, mas não pode processar rapidamente todos os sons de uma palavra. Desse modo, quando repete uma palavra que escutou o faz omitindo ou alterando o lugar ou contexto dos sons da palavra. Por isso, em geral, falta ao disléxico, a consciência fonológica.
Por ser um presidente de uma grande potência mundial, o comportamento disléxico de Bush tem sido desastroso não só para a sua própria imagem de estadista, objeto de muita chacota por parte de políticos e jornalistas do mundo inteiro, mas compromete, por vezes, a paz mundial, quando apresenta sinais de beligerância, cansaço, stress ou humor visceral, como os verificados na declaração de guerra ao Afeganistão.
Uma outra compreensão de sua dislexia pode nos levar a afirmar que suas dificuldades verbais revelam seu desconhecimento para tratar com a etnolinguistica do mundo ocidental e oriental, o que certamente, justificaria que, em muitos de seus discursos, chame "kosovarianos" aos kosovares, "grecianos" aos gregos, "timorianos" aos timorenses. Ou, ainda, que confunda, Eslováquia por Eslovênia e aos talibães com um grupo de rock.
Mais recentemente, termos como "declaração de guerra" e "eixo do mal", sem o peso da carga semântica que a mídia parece supor, indicam o risco, sempre iminente, de confronto mundial.
Em todo caso, consciente de suas limitações no plano da linguagem verbal, Bush Jr tem se comportado como um "ator de discurso memorizado" e tem procurado, outrossim, convencer seus eleitores de que pode ser Presidente não apenas com palavras, mas com gestos. Eis então a explicação porque um disléxico conseguiu chegar à Presidência dos EUA: desenvolveu a capacidade de gostar das pessoas, de ouvir e de estar sempre próximo do povo.
Nem todos os disléxicos desenvolvem os mesmos dons, mas eles certamente possuem algumas funções mentais em comum. Aqui estão as habilidades básicas de que todos os disléxicos compartilham:
1. São capazes de utilizar seu dom mental para alterar ou criar percepções (a habilidade primária).
2. São altamente conscientes do meio ambiente.
3. São mais curiosos que a média.
4. Pensam principalmente em imagens, em vez de palavras.
5. São altamente intuitivos e capazes de muitos insights.
6. Pensam e percebem de forma multidimensional (utilizando todos os sentidos).
7. Podem vivenciar o pensamento como realidade.
8. São capazes de criar imagens muito vívidas.

Estas oito habilidades básicas, se não forem suprimidas, anuladas ou destruídas pelos pais ou pelo processo educacional, resultarão em duas características: inteligência acima do normal e extraordinária criatividade. A partir daí, o verdadeiro dom da dislexia pode emergir – o dom da mestria.
Antes que um disléxico possa perceber e apreciar plenamente o lado positivo da dislexia, devemos considerar seu lado negativo. Isto não quer dizer que o lado positivo não possa vir à tona enquanto os problemas ainda existirem. O dom está sempre presente, mesmo que não seja reconhecido. De fato, muitos disléxicos adultos usam o lado positivo da dislexia em suas carreiras sem se darem conta. Acreditam apenas que têm um jeito para fazer determinadas coisas, sem perceberem que seu talento especial vem das mesmas funções mentais que os impedem de ler e escrever muito bem.
As dificuldades mais comuns da dislexia ocorrem na leitura, na escrita, na ortografia ou na matemática, mas também aparecem em muitas outras áreas. Cada caso é diferente do outro, porque a dislexia é uma condição autogerada. Não existem dois disléxicos que a tenham desenvolvido exatamente da mesma maneira.
A dislexia é o resultado de um talento perceptivo. Em algumas situações, ele pode se tornar uma desvantagem. O individuo não percebe que isso acontece, porque o uso desse talento tornou-se parte integrante do seu processo de pensamento.
A palavra dislexia foi o primeiro termo genérico utilizado para designar vários problemas de aprendizagem. Em seu devido tempo, com o intuito de descrever as diferentes formas de transtornos de aprendizagem, esses problemas foram subdivididos e classificados. Por esta razão podemos chamar a dislexia de “A Mãe dos Transtornos de Aprendizagem”.
Originalmente, os pesquisadores acreditavam que os disléxicos teriam sofrido algum tipo de lesão cerebral ou nervosa, ou seriam portadores de uma disfunção congênita. Em qualquer um dos casos, haveria uma interferência nos processos mentais necessários à leitura.
No fim da década de 1920, o doutor Samuel Torrey Orton redefiniu a dislexia como uma “lateralização cruzada do cérebro”. Isto significava que o lado esquerdo do cérebro estaria fazendo o que o lado direito supostamente deveria fazer, e o lado direito estaria fazendo o trabalho do lado esquerdo. Contudo, isto era apenas uma teoria e, em pouco tempo, o doutor Orton concluiu que estava incorreta. Ele apresentou então uma segunda teoria, afirmando tratar-se de uma “dominância hemisférica mista”, o que por sua vez significava que o lado esquerdo do cérebro estaria às vezes fazendo o que o lado direito deveria fazer, e vice-versa.
Existem hoje muitas teorias diferentes sobre o que é a dislexia e sobre suas causas. A maior parte dessas teorias foi formulada para explicar os sintomas ou as características da dislexia – e por que o transtorno ocorreu.
Sob diferentes perspectivas, serão apresentadas na seqüência três grandes abordagens que buscam explicar o que entendem por dislexia: a organicista, a cognitivista ou instrumental e a psicoafetiva.
A visão organicista é representada pela área médica, cujas explicações parecem multiplicar-se de acordo com cada especialidade da medicina disposta a esclarecer questões escolares relacionadas ao processo de apropriação da linguagem escrita. Além disso, é comum, no interior de uma mesma especialidade, verificar posicionamentos divergentes para o que tem sido considerado dislexia. No âmbito da própria neurologia – primeira especialista médica que buscou fundamentar e categorizar fatos relacionados à aprendizagem da escrita como um distúrbio – não se encontra uma posição única.
A tentativa de explicitar tais fatos com base no mesmo entendimento clínico – localizacionista – utilizado para esclarecer a afasia foi questionada por Orton, em 1925. Para esse neurologista americano, distúrbios de aprendizagem da escrita apresentados por uma criança em fase de alfabetização deveriam ser compreendidos de maneira diferente daqueles transtornos adquiridos e manifestados pelo adulto. Após examinar cerca de três mil crianças que apresentavam dificuldades relativas a leitura e a ortografia, Orton afirmou que distúrbios de aprendizagem da língua escrita, na infância, estariam relacionados a um defeito no reconhecimento da orientação das letras e de sua seqüência nas palavras, ressaltando que, apesar de apresentarem problemas na escrita, a percepção visual e a orientação espacial dos sujeitos que examinou mostravam-se intactas. No seu entendimento, esse defeito era decorrente de uma falha no desenvolvimento da dominância hemisférica cerebral.
Por isso, propôs o uso do termo "estrefossimbolia" – que significa simbolização distorcida – acentuando uma característica que julgava fundamental: a produção de letras invertidas1. Baseado nessa suposição, Orton buscou substituir a denominação anteriormente dada, "cegueira verbal congênita", pois, segundo seu ponto de vista,
¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬__________________
1. De acordo com Quirós e Della Cella (1972), tais inversões de letras eram comuns em quadros de crianças ditas disléxicas, as quais trocavam, por exemplo: “b” por “d”, “p” por “q”, “b” por “q”, “o” por”q”, “n” por “u”.

tratava-se de uma anomalia de predomínio hemisférico e não de uma lesão cerebral focal.
Apesar de influenciar uma série de pesquisas, o estudo proposto por Orton vem sendo substituído por outras hipóteses, com explicações consideravelmente divergentes entre si. Condemarin e Blomquist (1986); por exemplo, citam pesquisas que buscam explicar dificuldades de aprendizagem da escrita em função de fatores hereditários. Considerando determinada amostra, essas pesquisas afirmam que aproximadamente 80% dos sujeitos analisados tinham parentes - pais, avós, tios, irmãos, entre outros - que também relatavam tais dificuldades.
Entretanto, a base desses estudos vem sendo criticada. Segundo Pamplona-Moraes (1997), pesquisadores afirmam que a hipótese genética encerra uma falácia lógica, pois, ao estudar questões relativas à linguagem escrita em crianças di¬tas disléxicas e seus familiares, visto que tanto a criança como seus parentes compartilham do mesmo ambiente social, não é possível estabelecer o que é herdado geneticamente e o que é aprendido socialmente.
Distanciados da proposta genética, mas compartilhando de mesma visão biológica determinista, Smith e Carrigan (1959) propõem que a chamada dislexia pode ser decorrente de uma irregularidade no equilíbrio da química cerebral, ocasionada por excesso ou carência do composto acetilcoli¬na-colinesterase, no cérebro. Segundo esses autores, tal peculiaridade poderia ser explicada em termos de enfermidades metabólicas, desnutrição, entre outras.
Ainda na ótica organicista, distúrbios do movimento ocular poderiam explicar os chamados sintomas disléxicos na infância. De acordo com Hout (2001b), estudos oftalmológicos, ¬ao comparar o movimento ocular de crianças diagnosticadas como disléxicas com crianças ditas normais, concluíram que irregularidades na mobilidade dos olhos poderiam explicar ¬dificuldades no aprendizado da leitura e escrita. No entanto, pesquisas similares que utilizaram metodologia análoga não confirmaram a conclusão desses estudos.
Assim, acompanhamos explicações neurológicas, genéticas, metabólicas, oftalmológicas, as quais procuram associar questões referentes à apropriação da escrita com defasagens ¬orgânicas. Essas explicações denunciam um modelo de ciência que, ao estudar o ser humano, conforma-se aos preceitos das ciências naturais fazendo atividades humanas serem percebidas como coisas e retificadas como propriedades localizadas no organismo de indivíduos.
A busca, por exemplo, de explicação genética para questões da apropriação da escrita denuncia o uso de visão biológica determinista para justificar características de atividades humanas como naturais, biologicamente dadas. Questões escolares são tratadas como de natureza orgânica – nesse caso, seriam causadas por genes –, encobrindo diferenças humanas nos pIanos sociais e individuais. As desigualdades sociais e as diversidades no desempenho individual da criança são, nessa visão, interpretadas por meio de critérios genéticos – inevitáveis e imutáveis. Essa interpretação faz as análises do cotidiano escolar e do processo de apropriação do objeto escrito permanecerem restritas ao signo da patologização individual.
De qualquer forma, apesar de a ótica organicista ter apresentado uma série de hipóteses na tentativa de explicitar as causas da dislexia como um distúrbio específico de aprendizagem, ela não chegou a resultados conclusivos. As explicações causais apontadas por essa ótica não ultrapassaram o plano de suposições contraditórias entre si.

A perspectiva cognitivista ou instrumental
Além da visão organicista, dificuldades relacionadas à aprendizagem da escrita também foram enfocadas com base em critérios ditos cognitivistas ou instrumentais. Esse enfoque desenvolveu-se, segundo Condemarin e Blomquist (1986), principalmente a partir dos anos 1950 por um grupo de médicos e psicólogos europeus. Embora esse enfoque tenha procurado afastar-se de pressupostos exclusivamente organicistas, acabou por filiar-se a eles à medida que buscou explicar aquelas dificuldades como sendo decorrentes de disfunções mentais ou imaturidades relacionadas ao sistema nervoso central.
Na visão cognitivista, os termos "disfunção" e "imaturidade" contrapõem-se à noção de lesão e malformação. Passam a ser usados para descrever função cerebral supostamente anormal, a qual poderia acarretar desordens cognitivas – também chamadas de instrumentais -, que, por sua vez, interfeririam negativamente na aprendizagem da escrita. Portanto, nessa abordagem, deficiências cognitivas – decorrentes de disfunções2 cerebrais – seriam tomadas como causa da chamada dislexia e poderiam afetar diferentes processos de construção do objeto escrito, tais como: a percepção visual, a percepção auditiva, a memória e a estruturação espaço-temporal.
Para representantes da perspectiva cognitivista, além da dificuldade para aprender a ler e a escrever, a criança considerada disléxica geralmente apresentaria outras características, descritas como problemas relacionados ao esquema corporal e à sua imagem. Elas teriam dificuldades quanto à noção de direita-esquerda, transtornos espaço-temporais, distúrbios do padrão motor – o qual influenciaria na despreza manual –, perturbações analítico-sintéticas, entre outras. Nesse contexto, Fonseca (1995) propõe que desordens práxicas ou psicomotoras poderiam ocasionar problemas na aprendizagem da leitura e da escrita. Na sua opinião, a integração cerebral de subsistemas psicomotrizes faria emergir movimentos responsáveis pela escrita de uma letra ou pela emissão oral de uma palavra, sugerindo que dificuldades próprias da dislexia poderiam ser tomadas como conseqüências de desordens psicomotoras.
Entretanto, estudos realizados sob a perspectiva cognitivista são incipientes e carecem de maiores investigações. Para Vellutino (1982), não é possível afirmar que problemas de esquema corporal, transtornos de memória, desestruturações espaço-temporais, aspectos psicomotores, entre outros, sejam peculiares a crianças tomadas como disléxicas. Eles podem ser encontrados em qualquer sujeito, ou seja, ¬em aprendizes considerados portadores de dificuldades para ¬ler e escrever e, também, em alunos que seguem o fluxo previsto pela escola. Concordando com Vellutino, García (1998) afirma que essa abordagem não se sustenta, pelo fato ¬de se assentar em explicações distantes das especificidades da linguagem escrita.
Associados ao enfoque cognitivista, outros autores – pautados na explicação de uma função anormal do cérebro – propõem que dificuldades de aprendizagem da escrita poderiam ser explicadas com base em disfunção cerebral mínima. Conforme
_________________
2. O termo "disfunção" é usado para referir-se a uma alteração na função cerebral. Assim, partindo de uma noção de disfunção, não seria necessário contar com correspondência e/ou evidência anatômica, diferentemente da hipótese que apostava na possibilidade de haver uma lesão ou malformação encefálica, conforme enfoque organicista.
Selikowitz (2001), tal disfunção seria caracterizada em termos de anormalidades de neurotrans¬missores – elementos químicos naturais que transmitem mensagens entre as células cerebrais. Essas anormalidades poderiam originar distúrbios de comportamento infantil descritos como parte de uma síndrome hipercinética que, por sua vez, ocasionaria dificuldades de aprendizagem.
Porém, como todas as hipóteses apresentadas, essa explicação não passa de uma suposição. Aliás, vale ressaltar que, segundo Selikowitz, a própria noção de disfunção cerebral mínima vem sendo criticada, sobretudo pelo fato de ter despertado a possibilidade de serem utilizados tratamentos medicamentosos para corrigir uma hipotética desordem química no cérebro.
Nesse mesmo contexto cognitivista, identificamos ainda autores como L. Giordano e L. H. Giordano (1973) e Critchley (1974), os quais defendem a opinião de que crianças consideradas disléxicas poderiam ser vítimas de um retardo na maturação cerebral. Nessa visão, problemas de ordem ma¬turacional poderiam acarretar deficiências em certas funções corticais, as quais ocasionariam limitações relacionadas à aprendizagem e, assim, explicariam a origem das dificuldades relativas à aquisição da escrita. Contudo, tanto a hipótese da disfunção cerebral mínima como a que defende imaturidade neurológica são, de acordo com Grégoire e Piérart (1997), frágeis, pois ambas, sem esclarecimento etiológico, procuram sustentar suas opiniões com base na coleta de dados comportamentais, elaborada por meio de exames e testes aplicados em criança ditas disléxicas.
Fazendo uma breve analise acerca dos dois enfoques apresentados – a visão organicista e a perspectiva cognitivista ou instrumental –, percebemos que se pautam no mesmo princípio. Os dois buscam explicações para aquilo que entendem como dislexia com base em uma lesão (na ótica organicista) ou em uma disfunção ou imaturidade (no enfoque instrumental ou cognitivista) localizada no sujeito, isto é, em questões intrínsecas a ele. Essas duas abordagens, embora com roupagens aparentemente distintas, procuram, sob o domínio das ciências naturais, explicar o que consideram um distúrbio de aprendizagem apoiadas em suposições acerca do aparato biológico da criança. Patologizam questões referentes à apropriação da linguagem escrita e ocultam a própria criança, uma vez que desconsideram a sua história, o seu saber, o seu dizer.
Em um contexto explicitamente lacunar, a posição neurobiológica – assumida pelas abordagens organicista e cognitivista – parece conviver, ainda, com uma visão psicoafetiva que, sem se opor aos demais enfoques, sugere que a dislexia seja tomada como decorrente de um problema intimamente relacionado à personalidade da criança.
A visão psicoafetiva
A abordagem psicoafetiva procura explicar o que toma por problemas na aquisição da escrita com base em perturbações afetivas da criança. Pautados nesta abordagem, psicólogos clínicos buscaram explicar dificuldades na aprendizagem da linguagem escrita em função de problemas emocionais. Para Serrano (2001), por exemplo, transtornos de aprendizagem podem estar associados a três sintomas psicopatológicos: à síndrome depressiva, aos estados de ansiedade e aos transtornos comportamentais.
A depressão infantil perturba, segundo o autor, o processo de aprendizagem, porque a criança nesse estado tem sua atenção e concentração reduzidas; além disso, seu prazer em aprender também é diminuído. Os estados de insegurança e ansiedade – que geralmente coexistem com manifestações depressivas – podem estar associados ao temor do fracasso ante a aquisição da escrita, interferindo na aprendizagem dessa modalidade de linguagem e dificultando o desenvolvimento dos processos de atenção e memória.
A incidência de transtornos de comportamento, vinculados a dificuldades de aprendizagem e a atitudes anti-sociais, é bastante freqüente, segundo Serrano. De acordo com o autor, a criança disléxica mostra-se impulsiva e se enfurece com facilidade, manifestando pouca capacidade para lidar com limites e frustrações. No entanto, adverte que essas atitudes podem estar relacionadas ao posicionamento assumido pelos familiares – que interpretam as dificuldades escolares da criança como sinais de "má vontade" ou "preguiça". Nesse sentido, Serrano afirma que fatores emocionais podem estar associados ao que se chama de dislexia. Essa associação entre dificuldades de leitura e escrita com questões de ordem emocional parece ser um consenso na literatura. Todavia, convém mencionar que tais questões, conforme Pamplona-Moraes (1997), geralmente apresentadas por crianças ditas disléxicas, não devem ser tomadas como aspectos que determinam o que se chama de dislexia, mas, ao contrario, como resultado dela.
Nesse ponto, ressaltamos que a análise do processo de apropriação da escrita elaborada sob a perspectiva psicoafetiva também se pauta em aspectos que se referem ao próprio sujeito-aprendiz, assim como sob as abordagens organicista e cognitivista. Embora o enfoque não seja o biológico, a compreensão de fatos relacionados ao contexto social permanece projetada no aluno, na sua personalidade, na sua família.
A escola, como espaço onde circulam discursos, permanece isenta, pois não se analisa o papel decisivo que ela assume na constituição da subjetividade das crianças e no percurso percorrido na apropriação da escrita.
Considerando que a subjetividade infantil é marcada por efeitos de sentidos discursivos, ao ser apontada como alguém que esta fracassando, entendemos que qualquer criança pode apresentar baixa auto-estima e pouco interesse por essa modalidade de linguagem, principalmente quando a instituição escolar a anuncia como incapaz ou impossibilitada em função de hipóteses e "erros" que, acompanham o processo de apropriação da escrita.
Por isso, diante de um cenário etiológico tão diverso e contraditório, antes de conceber a criança como portadora de um distúrbio, é imprescindível compreender o trajeto trilhado por ela para se apropriar da linguagem escrita bem como os efeitos de práticas discursivas que circundam esse trajeto. Longe dessa compreensão, desprovida de rigor explicativo, a chamada dislexia vem sendo tomada como uma entidade nosográfica que pode estar associada a múltiplas e diferentes desordens – lesão, imaturidade ou disfunção cerebral, anomalia de predomínio hemisférico, transtornos genéticos, alterações metabólicas, nutricionais, oftalmológicas ou emocionais. Essas desordens, de maneira contraditória, são apontadas pela literatura para tentar justificar a existência da suposta patologia como algo inerente ao aprendiz da escrita.
Nesse caminho, apesar de situar-se em um campo conceitual indefinido e arbitrário, a dislexia foi reconhecida como patologia por órgãos oficiais da Europa e dos Estados Unidos, conforme apresento a seguir.

A DISLEXIA (IN)DEFINIDA POR ÓRGÃOS OFICIAIS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
De acordo com Hout (2001a), a World Federation of Neurology, na Europa, definiu a dislexia como um transtorno da aprendizagem da língua escrita que ocorre apesar de uma inteligência normal, da ausência de problemas sensoriais ou neurológicos, de instrução escolar considerada adequada e de oportunidades socioculturais suficientes. Trata-se de uma definição formulada em função de critérios excludentes: um conceito que destaca os fatores causais que não podem determinar ou explicar a chamada dislexia.
Nos Estados Unidos, o reconhecimento da dislexia como um transtorno específico de aprendizagem da linguagem escrita foi aprovado, em 1960, pelo Congresso Nacional daquele país. Segundo Bolaffi (1994), a importância atribuída ao diagnóstico neurológico e um representativo número de crianças diagnosticadas como disléxicas provocaram a criação de leis que garantem a elas uma educação especial, em classes separadas das crianças consideradas normais.
Em 1978, foi sancionada uma lei3 que confere direito à educação para todas as crianças portadoras de deficiências que tece comentários a respeito da dislexia. Tais comentários se fundamentam em um desnível significativo entre as possibilidades intelectuais retratadas pelo quociente de inteligência (QI) da criança ou do adolescente e as suas realizações escolares no âmbito da escrita. Em outras palavras, segundo tais comentários, a pessoa dita disléxica apresenta um desempenho escolar aquém de seu potencial intelectual.
Essa mesma lei define que um dos principais critérios para chegar a um diagnóstico preciso de dislexia é a exclusão de fenômenos causais – transtornos de percepção sensorial, transtornos psiquiátricos primários, patologias neurológicas graves, oportunidade escolar insuficiente e falta de estímulos socioculturais – que poderiam explicar o desnível entre a capacidade intelectual da criança e sua possibilidade de ler e escrever.
________________
3. A bibliografia que enfoca a dislexia como um distúrbio de aprendizagem afirma que ele só pode ser imputado a indivíduos que, no mínimo, apresentam inteligência média. Para Ianhez e Nico (2002), por exemplo, pessoas com um nível intelectual abaixo do esperado são limítrofes, e não disléxicas.

Portanto, nos Estados Unidos, os critérios para definir a dislexia são similares aos utilizados pela World Federation of ¬Neurology, na Europa, ou seja, são critérios fundamentados em fatores excludentes. Nesse sentido, salientamos, uma vez mais, o fato de a chamada dislexia ser considerada uma perturbação caracterizada pela eliminação de fatores capazes de determinar sua causa, isto é, uma perturbação no processo de apropriação da escrita que se caracteriza por não contar com qualquer explicação causal capaz de justificá-la.
Convém ressaltar ainda que a lei norte-americana, ao mencionar um desnivelamento entre QI e capacidade para ler e escrever, não esclarece o que entende por tal desnivelamento, tampouco explica o conceito de QI. Apesar de escores de testes que determinam o quociente de inteligência serem amplamente utilizados e tomados como principal critério para indicar a capacidade intelectual de uma criança, tais escores não garantem uma distinção clara entre deficiência mental, normalidade e superdotação.
De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia (ABD)4, em 1994, foi divulgada pela International Dyslexia Association5 a definição que vem sendo utilizada:
Dislexia é um dos muitos distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio específico da linguagem, de origem constitucional, caracterizado pela dificuldade em decodificar palavras simples. Mostra uma insuficiência no processo fonológico. Essas dificuldades de decodificar palavras simples não são esperadas em relação à idade. Apesar de submetida a instrução convencionaI, adequada inteligência, oportunidade sociocultural e não possuir distúrbios cognitivos e sensoriais fundamentais, a criança falha no processo de aquisição da linguagem. A dislexia apresentada em várias formas de
__________________
4. A Associação Brasileira de Dislexia é uma organização não-governamen¬tal, sem fins lucrativos, cuja sede fica em São Paulo / SP. Reconhecida em todo o Brasil, essa associação foi fundada em 1983 e, de acordo com o site www.dislexia.org.br – consultado em 13 de outubro de 2006 –, filiou-se, em outubro de 2001, a International Dyslexia Association.

5. A International Dyslexia Association é a mais antiga organização norte-americana que se dedica ao tema. Fundada no ano de 1949, em memória ao neurologista Samuel Orton, tem se dedicado a auxiliar sujeitos diagnosticados como disléxicos, suas famílias e a escola freqüentada por esses sujeitos. De acordo com Nico (2002), essa associação internacional conta com 45 regionais espalhadas par todos os estados norte-americanos, além de manter três entidades internacionais.


dificuldades com diferentes formas de linguagem, freqüentemente incluídos problemas de leitura, em aquisição e capacidade de escrever e soletrar.
Cabe esclarecer que a Associação Brasileira de Dislexia, além de exercer influência sobre estudos, pesquisas e atividades profissionais envolvidas com a temática em todo o país, está vinculada a International Dyslexia Association e compartilha dos mesmos pressupostos dessa organização, que goza de grande prestígio em todos os estados norte-americanos e em outros países. Portanto, o conceito divulgado por essas instituições é amplamente aceito e representativo da visão vigente em torno do que se entende por dislexia.
Sobre a definição em si, a International Dyslexia Associa¬tion – pela Associação Brasileira de Dislexia – deixa claro que entende a linguagem como um código, ao buscar caracterizar a dislexia como um distúrbio especificamente de ordem lingüística. Ela ressalta que a dificuldade da criança estaria relacionada à codificação e decodificação de palavras simples.
Porém, essa visão que concebe a Iíngua como um código – organizado em função de um amontoado de sons, letras, sílabas e palavras isoladas de um contexto significativo – e o aprendiz como um ser passivo, mero memorizador de repetições, está explicitamente pautada em uma perspectiva behaviorista. Tal perspectiva, desenvolvida fundamentalmente por Skinner (1957), torna a linguagem como comportamento verbal, produto de reforço e modelagem que o meio externo proporciona ao aprendiz, negando o papel do sujeito e desconsiderando o processo interlocutivo na construção de objetos lingüísticos.

Nenhum comentário: