OS SINTOMAS DISLÉXICOS
Ianhez e Nico (2002) e Cuba dos Santos (1987) listam vários "sinais" e "sintomas" como decorrentes do que tomam por dislexia. Nessas listas, citam questões como: dificuldade com cálculos mentais, dificuldade em organizar tarefas, dificuldade com noções espaço-temporais, entre outras:
• desempenho inconstante com relação à aprendizagem da leitura e da escrita;
• dificuldade com os sons das palavras e, conseqüentemente, com a soletração;
• escrita incorreta, com trocas, omissões, junções e aglutinações de fonemas;
• relutância para escrever;
• confusão entre letras de formas vizinhas, como "moite" por "noite", "espuerda" por "esquerda";
• confusão entre letras foneticamente semelhantes: "tin¬da" por "tinta", "popre" por' "pobre", "gomida" por "comida";
• omissão de letras e/ou sílabas, como "entrando" por "encontrando", "giado"por "guiado", "BNDT" por "Be¬nedito";
• adição de letras e/ou sílabas: "muimto" por "muito", "fia¬que" por "fique", "aprendendendo" por “aprendendo";
• união de uma ou mais palavras e/ou divisão inadequada de vocábulos: "Eraumaves um omem" por "Era uma vez um homem", "a mi versario" por "aniversário";
• leitura e escrita em espelho.
A partir de uma ancoragem teórica que nos possibilita ir além de uma noção de língua como um código estanque, compreendendo a linguagem como uma atividade que se realiza no espaço interlocutivo, todos esses itens tornados como fenômenos patológicos devem ser questionados, conforme Massi (2004). Inicialmente, com relação ao dito desempenho inconstante, não entendemos como o processo de apropriação da escrita – que implica tentativas, "erros", hipóteses e "acertos" – poderia se desenvolver livre de instabilidades.
Para Vygotsky (1991a), não é possível pensar na construção da escrita como um processo linear e constante. Durante a aquisição da linguagem oral, a criança também apresenta instabilidades: errando, tentando, manipulando e acertando. É preciso aceitar que todo processo de apropriação de novos conhecimentos requer reflexões e comparações em um percurso de idas e vindas, o qual, longe de estabilidades, nos leva a perguntas, indagações e perplexidades.
Na seqüência, quanto aos itens que se referem, respectivamente, à dificuldade com os sons das palavras, bem como à uma escrita “incorreta” – trocas, omissões, junções e aglutinações de fonemas –, cabe ressaltar que, antes de ser tomados como sinais de uma patologia, tais itens relacionados como manifestações sintomáticas parecem revelar falta de clareza a respeito das diferenças existentes entre fonemas e letras, Afinal, fonemas são unidades sonoras e, portanto, dizem respeito à linguagem oral. Dessa forma, seria impossível afirmar que uma criança troca, omite ou aglutina sons na sua escrita. Os sons de uma língua não podem ser confundidos ou tomados como integrantes da escrita.
É muito comum, por exemplo, ouvirmos alfabetizadores, psicólogos, fonoaudiólogos, entre outros profissionais, afirmarem que trocas fonêmicas, relativas ao uso da linguagem oral, resultam em trocas de letras na escrita. Assim, Caraciki (1983) aposta na existência de tal dislexia-dislálica, a qual define como um distúrbio da palavra falada – caracterizado por trocas ou inversões de sons da fala –, cujos efeitos acompanhariam a escrita. Atribui-se o nome de dislexia-dislálica a um distúrbio decorrente de uma transferência que a criança faz de trocas sonoras apresentadas na fala para a modalidade escrita da linguagem.
Afirmações como essa derivam do equívoco de que a escrita e um espelho da fala. Nesse sentido, convém esclarecer que, apesar de o nosso sistema de escrita ter um compromisso direto com os sons da língua, a relação entre as letras e os sons da fala não é pareada. A propósito, vale ressaltar que a única forma de escrita que retrata a oralidade, correlacionando univocamente letra e som, é a transcrição fonética. Na escrita ortográfica, os símbolos gráficos e os sons, em diversos contextos, não fazem relação um a um. Por isso, é equivocada a afirmação de que trocas, substituições, acréscimos ou inversões fônicas podem acarretar, de forma direta e certeira, dificuldades na apropriação da escrita.
É preciso tomar cuidado com essas questões e enfrentar a falta de entendimento que a escola e profissionais relacionados a ela, direta ou indiretamente, têm acerca da natureza da escrita, de suas características, de suas funções e, principalmente, do fato de ser diferente da oralidade. De um lado, a fala conta com aspectos prosódicos, gestos, expressões faciais que não são revelados na escrita, a qual, por outro lado, apresenta elementos significativos próprios, como tamanho, formato e tipo das letras, elementos pictóricos, e assim por diante.
Além disso, a fala é uma prática lingüística que está intimamente relacionada a um dialeto usado por dada comunidade. Já a escrita ortográfica segue, conforme Massini¬ Cagliari (2001), uma convenção que estabelece uma única maneira de grafarmos as palavras. Por conseguinte, a oralidade deixa espaço para pronúncias diferentes: "iscada" ou "escada"; "pexe" ou "peixi"; "lapsu" ou "lapiso", sem que isso nos traga constrangimentos. A ortografia, ao contrário, pelo seu caráter convencional, torna-se inflexível e nos leva a escrever de um único modo: "escada", "peixe" e "lapso", embora o sistema de escrita permita que palavras sejam escritas conforme sua pronúncia.
Ainda sobre as diferenças entre oralidade e escrita, cabe dizer que na linguagem oral contamos com a presença do outro na conversa, enquanto na manipulação da escrita preenchemos o vazio deixado pela ausência do interlocutor, assumindo, ao mesmo tempo, o papel de quem escreve e de quem Iê. Ou seja, na atividade com a escrita, precisamos imaginar um interlocutor para quem planejamos e organizamos nosso discurso.
Sem levar em conta essas diferenças, não é possível entender o processo de apropriação da escrita e, sem tal entendimento, "erros" transitórios são tomados como sintomas de um déficit, levando o aluno a sistematizar uma doença e a fazer confusões que podem interferir negativamente em tal processo.
Nesse caminho, professores, médicos, fonoaudiólogos e psicólogos não auxiliam o aprendiz a reconhecer as especificidades da escrita: sua uniformização gráfica, sua conven¬cionalidade, as relações variáveis entre sons e letras. Dessa forma, a oralidade influencia continuamente sua produção escrita. Se não compreendermos essa questão, continuare¬mos a acompanhar alunos sendo rotulados equivocadamente como portadores de um distúrbio, o qual pode refletir o não-entendimento da escola – alinhada a profissionais da saúde – acerca da linguagem escrita e seu processo de apropriação.
No que tange à relutância para escrever, chamamos a atenção para o fato de tal relutância, antes de um sintoma inerente ao aprendiz, evidenciar o medo e a repulsa que o aluno desenvolve – com a ajuda da escola e de diversos profissionais vinculados a ela – diante da atividade da escrita. Medo de escrever e de ser rotulado como imaturo, lento, incapaz, disléxico. Medo, enfim, de manipular a escrita, de tentar, de errar, de criar hipóteses e saídas para resolver os impasses gerados por uma situação em que se vê diante de algo desconhecido que se quer compreender.
Maria Irene Maluf6 (2007) cita os sintomas de acordo com a faixa etária:
Crianças entre 4 e 6 anos:
• A omissão, inversão ou a confusão de fonemas;
• Vocabulário empobrecido;
• Dificuldade na expressão oral;
• Baixo nível de compreensão da Iinguagem;
• Dificuldade em aprender a diferenciar cores, formas, tamanhos, posições;
• Problemas de lentidão motora e
• Atraso na aquisição de conhecimento do esquema corporal, orientação e seqüenciação.
Crianças entre 6 e 9 anos:
• Permanecem ou aumentam as inversões, confusões, trocas e omissões de fonemas;
• O vocabulário passa a ser cada vez mais empobrecido em relação à faixa etária e escolaridade alcançada;
• Na leitura, geralmente silabada, hesitante e mecânica, é freqüente a presença de confusão entre letras, como por exemplo entre: a/o; a/e; u/o; b/d; p/q; u/n, assim como aparecem omissões, inversões e adições de sílabas nas palavras Iidas, o que dificulta ainda mais o entendimento do texto;
• Na escrita percebem-se confusões de letras semelhantes pelo som ou forma;
• Há omissões e inversões de letras, sílabas ou palavras, que persistem apesar do treino ortográfico; é freqüente a escrita de letras ou símbolos isolados em espelho e
• A escrita e a estruturação das idéias são confusas.
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6. Pedagoga especialista em Educação Especial e em Psicopedagogia Presidente da ABPp – Associação Brasileira de Psicopedagogia.
Crianças com mais de 9 anos:
• Dificuldade na estruturação das frases;
• Inadequação no uso dos tempos verbais;
• Dificuldade persistente na compreensão da leitura, assim como na expressão oral e escrita;
• Escrita muito irregular, com incorreções ortográficas, semântica e sintática;
• Transparecem as dificuldades às outras aprendizagens escolares que tenham como base a leitura e sua compreensão;
• Negam-se ou evitam ler, principalmente em voz alta;
• Compreendem melhor o que é lido para eles do que o que lêem e
• Como se cansam devido ao esforço mental, escrevem mais devagar e sua caligrafia pode ser muito irregular.
Infelizmente, as crianças não superam por si só esses problemas relacionados à leitura e escrita. Precisam de profissionais especializados por um período de sua escolarização e quanto mais cedo for iniciado esse atendimento, menos complicações serão desenvolvidas, tanto no âmbito escolar, como no emocional e social.
Espera-se da escola que tenha sensibilidade à questão e busque atualizar seus conhecimentos para detectar os sintomas sugestivos da dislexia. Comunicar adequadamente aos pais suas suspeitas, incentivando o encaminhamento para o diagnóstico clínico, apoiar e adotar as condutas orientadas pelos profissionais especializados como ensino personalizado, avaliação adaptada e maior compreensão do comportamento e necessidades da criança disléxica. Promover a integração social através do respeito e do conhecimento de suas particularidades de aprendizagem, visando melhorar a imagem negativa que em geral esses alunos têm de si próprios.
Sinais encontrados em Disléxicos
Na Primeira Infância
1 - atraso no desenvolvimento motor desde a fase do engatinhar, sentar e andar;
2 - atraso ou deficiência na aquisição da fala, desde o balbucio à pronúncia de palavras;
3 - parece difícil para essa criança entender o que está ouvindo;
4 - distúrbios do sono;
5 - enurese noturna;
6 - suscetibilidade à alergias e à infecções;
7 - tendência à hiper ou a hipo-atividade motora;
8 - chora muito e parece inquieta ou agitada com muita freqüência;
9 - dificuldades para aprender a andar de triciclo;
10 - dificuldades de adaptação nos primeiros anos escolares.
Observações:
Pesquisas científicas neurobiológicas recentes concluíram que o sintoma mais conclusivo acerca do risco de dislexia em uma criança, pequena ou mais velha, é o atraso na aquisição da fala e sua deficiente percepção fonética. Quando este sintoma está associado a outros casos familiares de dificuldades de aprendizado – dislexia e, comprovadamente, genética, afirmam especialistas que essa criança pode vir a ser avaliada já a partir de cinco anos e meio, idade ideal para o início de um programa remediativo, que pode trazer as respostas mais favoráveis para superar ou minimizar essa dificuldade.
A dificuldade de discriminação fonológica leva a criança a pronunciar as palavras de maneira errada. Essa falta de consciência fonética, decorrente da percepção imprecisa dos sons básicos que compõem as palavras, acontece, já, a partir do som da letra e da sílaba. Essas crianças podem expressar um alto nível de inteligência, "entendendo tudo o que ouvem", como costumam observar suas mães, porque têm uma excelente memória auditiva. Portanto, sua dificuldade fonológica não se refere à identificação do significado de discriminação sonora da palavra inteira, mas da percepção das partes sonoras diferenciais de que a palavra é composta. Esta a razão porque o disléxico apresenta dificuldades significativas em leitura, que leva a tornar-se, até, extremamente difícil sua soletração de sílabas e palavras. Por isto, sua tendência é ler a palavra inteira, encontrando dificuldades de soletração sempre que se defronta com uma palavra nova.
Porque, freqüentemente, essas crianças apresentam mais dificuldades na conquista de domínio do equilíbrio de seu corpo com relação à gravidade, é comum que pais possam submete-Ias a exercícios nos chamados "andadores" ou "voadores". Prática que, advertem os especialistas, além de trazer graves riscos de acidentes, é absolutamente inadequada para a aquisição de equilíbrio e desenvolvimento de sua capacidade de andar, como interfere, negativamente, na cooperação harmônica entre áreas motoras dos hemisférios esquerdo-direito do cérebro. Por isto, crianças que exercitam a marcha em "andador", só adquirem o domínio de andar sozinhas, sem apoio, mais tardiamente do que as outras crianças.
Além disso, o uso do andador como exercício para conquista da marcha ou visando uma maior desenvoltura no andar dessa criança, também contribui, de maneira comprovadamente negativa, em seu desenvolvimento psicomotor potencial-global, em seu processo natural e harmônico de maturação e colaboração de lateralidade hemisférica-cerebral.
A partir dos Sete Anos de Idade:
1 – pode ser extremamente lento ao fazer seus deveres;
2 – ao contrário, seus deveres podem ser feitos rapidamente e com muitos erros;
3 – cópia com letra bonita, mas tem pobre compreensão do texto ou não Iê o que escreve;
4 – a fluência em leitura é inadequada para a idade;
5 – inventa, acrescenta ou omite palavras ao ler e ao escrever;
6 – só faz leitura silenciosa;
7 – ao contrário, só entende o que Iê, quando Iê em voz alta para poder ouvir o som da palavra;
8 – sua letra pode ser mal grafada e, até, ininteligível; pode borrar ou ligar as palavras entre si;
9 – pode omitir, acrescentar, trocar ou inverter a ordem e direção de letras e sílabas;
10 – esquece aquilo que aprendera muito bem, em poucas horas, dias ou semanas;
11 – é mais fácil ou só é capaz de bem transmitir o que sabe através de exames orais;
12 – ao contrário, pode ser mais fácil escrever o que sabe do que falar aquilo que sabe;
13 – tem grande imaginação e criatividade;
14 – desliga-se facilmente, entrando "no mundo da lua";
15 – tem dor de barriga na hora de ir para a escola e pode ter febre alta em dias de prova;
16 – porque se liga em tudo, não consegue concentrar a atenção em um só estímulo;
17 – baixa auto-imagem e auto-estima; não gosta de ir para a escola;
18 – esquiva-se de ler, especialmente em voz alta;
19 – perde-se facilmente no espaço e no tempo; sempre perde e esquece seus pertences;
20 – tem mudanças bruscas de humor;
21 – é impulsivo e interrompe os demais para falar;
22 – não consegue falar se outra pessoa estiver falando ao mesmo tempo em que ele fala;
23 – é muito tímido e desligado; sob pressão, pode falar o oposto do que desejaria;
24 – tem dificuldades visuais, embora um exame não revele problemas com seus olhos;
25 – embora alguns sejam atletas, outros mal conseguem chutar, jogar ou apanhar uma bola;
26 – confunde direita-esquerda, em cima-em baixo; na frente-atrás;
27 – é comum apresentar lateralidade cruzada; muitos são canhestros e outros ambidestros;
28 – dificuldade para ler as horas, para seqüências como dia, mês e estação do ano;
29 – dificuldade em aritmética básica e/ou em matemática mais avançada;
30 – depende do uso dos dedos para contar, de truques e objetos para calcular;
31 – sabe contar, mas tem dificuldades em contar objetos e Iidar com dinheiro;
32 – é capaz de cálculos aritméticos, mas não resolve problemas matemáticos ou algébricos;
33 – embora resolva cálculo algébrico mentalmente, não elabora cálculo aritmético;
34 – tem excelente memória de longo prazo, lembrando experiências, filmes, lugares e faces;
35 – boa memória longa, mas pobre memória imediata, curta e de médio prazo;
36 – pode ter pobre memória visual, mas excelente memória e acuidade auditivas;
37 – pensa através de imagem e sentimento, não com o som de palavras;
38 – é extremamente desordenado, seus cadernos e Iivros são borrados e amassados;
39 – não tem atraso e dificuldades suficientes para que seja percebido e ajudado na escola;
40 – pode estar sempre brincando, tentando ser aceito nem que seja como "palhaço";
41 – frustra-se facilmente com a escola, com a leitura, com a matemática, com a escrita;
42 – tem pré-disposição à alergias e à doenças infecciosas;
43 – tolerância muito alta ou muito baixa à dor;
44 – forte senso de justiça;
45 – muito sensível e emocional, busca sempre a perfeição que lhe é difícil atingir;
46 – dificuldades para andar de bicicleta, para abotoar, para amarrar o cordão dos sapatos;
47 – manter o equilíbrio e exercícios físicos são extremamente difíceis para muitos disléxicos;
48 – com muito barulho, o disléxico se sente confuso, desliga e age como se estivesse distraído;
49 – sua escrita pode ser extremamente lenta, laboriosa, ilegível, sem domínio do espaço na página;
50 – cerca de 80% dos disléxicos tem dificuldades em soletração e em leitura.
Crianças disléxicas apresentam combinações de sintomas, em intensidade de níveis que variam entre o sutil ao severo, de modo absolutamente pessoal. Em algumas delas há um número maior de sintomas e sinais; em outras, são observadas somente algumas características. Quando sinais só aparecem enquanto a criança é pequena, ou se alguns desses sintomas somente se mostram algumas vezes, isto não significa que possam estar associados à Dislexia. Inclusive, há crianças que só conquistam uma maturação neurológica mais lentamente e que, por isto, somente tem um quadro mais satisfatório de evolução, também em seu processo pessoal de aprendizado, mais tardiamente do que a média de crianças de sua idade.
Pesquisadores têm enfatizado que a dificuldade de soletração tem-se evidenciado como um sintoma muito forte da Dislexia. Há o resultado de um trabalho recente, publicado no jornal Biological Psychiatry e referido no The Associated Press em 15 / 7 / 02, onde foram estudadas as dificuldades de disléxicos em idade entre 7 e 18 anos, que reafirma uma outra conclusão de pesquisa realizada com disléxicos adultos em 1998, constando do seguinte:
que quanto melhor uma criança seja capaz de ler, melhor ativação ela mostra em uma específica área cerebral, quando envolvida em exercício de soletração de palavras. Esses pesquisadores usaram a técnica de Imagem Funcional de Ressonância Magnética, que revela como diferentes áreas cerebrais são estimuladas durante atividades específicas. Esta descoberta enfatiza que essa região cerebral é a chave para a habilidade de leitura, conforme sugerem esses estudos.
Essa área, atrás do ouvido esquerdo, é chamada região ocipto-temporal esquerda. Cientistas que, agora, estão tentando definir que circuitos estão envolvidos e o que ocorre de errado em Dislexia, advertem que essa tecnologia não pode ser usada para diagnosticar Dislexia.
Esses pesquisadores ainda esclarecem que crianças disléxicas mais velhas mostram mais atividade em uma diferente região cerebral do que os disléxicos mais novos. O que sugere que essa outra área assumiu esse comando cerebral de modo compensatório, possibilitando que essas crianças conseguiam ler, porém somente com o exercício de um grande esforço.
Algumas das características mais comuns, segundo Fernanda Maria (2007):
- A criança é inteligente e criativa – mas tem dificuldades em leitura, escrita e soletração.
- Costuma ser rotulado de imaturo ou preguiçoso.
- Obtém bons resultados em provas orais, mas não em avaliações escritas.
- Tem baixa auto-estima e se sente incapaz.
- Tem habilidade em áreas como arte, música, teatro e esporte.
- Parece estar sempre sonhando acordado.
- É desatento ou hiperativo.
- Aprende mais facilmente fazendo experimentos, observações e usando recursos visuais.
Visão, leitura e soletração:
- Reclama de enjôos, dores de cabeça ou estômago quando lê.
- Faz confusões com as letras, números, palavras, seqüências e explicações verbais.
- Quando lê ou escreve comete erros de repetição, adição ou substituição.
- Diz que vê ou sente um movimento inexistente quando lê, escreve ou faz cópia.
- Parece ter dificuldades de visão, mas exames de vista não mostram o problema.
- Lê repetidas vezes sem entender o texto.
- Sua ortografia é inconstante.
Audição e linguagem:
- É facilmente distraído por sons.
- Tem dificuldades em colocar os pensamentos em palavras. Às vezes pronuncia de forma errada palavras longas.
Escrita e habilidades motoras:
- Dificuldades com cópia e escrita. Sua letra muitas vezes é ilegível.
- Pode ser ambidestro. Com freqüência confunde direita e esquerda ou acima e abaixo.
Matemática e gerenciamento do tempo:
- Tem problemas para dizer a hora, controlar seus horários e ser pontual.
- Depende dos dedos ou outros objetos para contar. Muitas vezes sabe a resposta, mas não consegue demonstrá-la no papel.
- Faz exercícios de aritmética, mas considera difícil problemas, com enunciados.
- Tem dificuldade em lidar com dinheiro.
Memória e cognição:
- Excelente memória a longo prazo para experiências, lugares e rostos. No entanto têm memória ruim para seqüências e informações que não vivenciou.
Antes de atribuir a dificuldade de leitura à dislexia alguns fatores deverão ser descartados, tais como:
- imaturidade para aprendizagem;
- problemas emocionais;
- métodos defeituosos de aprendizagem;
- ausência de cultura;
-incapacidade geral para aprender.
DIFICULDADES ENCONTRADAS EM CRIANÇAS COM DISLEXIA:
Dificuldade para ler orações e palavras simples.
A pronúncia ou a soletração de palavras monossilábicas é uma dificuldade evidente nos disléxicos.
As criança ou adultos disléxicos invertem as palavras de maneira total ou parcial, por exemplo "casa" é lida "saca". Uma coisa é uma brincadeira ou um jogo de palavras, observando a produtividade morfológica ou sintagmática dos léxicos de uma língua, uma outra coisa é, sem intencionalidade, a criança ou adulto trocar a seqüência de grafemas.
Invertem as letras ou números, por exemplo: /p/ por /b/, /d/ por /b/, /3/ por /5/ ou /8/, /6/ por /9/ especialmente quando na escrita minúscula ou em textos manuscritos escolares. Assim, é patente a confusão de letras de simetria oposta.
A ortografia é alterada, podendo estar ligada a chamada CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA (alterações no processamento auditivo).
Copiam de forma errada as palavras, mesmo observando na lousa ou no livro como são escritas. Em geral, as professoras ficam desesperadas: "como podem - pensam e reclamam - ela está vendo a forma correta e escreve exatamente o contrário?". Ora, o processamento da informação léxica, que é de ordem cerebral, está invertida ou simplesmente deficiente.
As crianças disléxicas conhecem o texto ou a escrita, mas usam outras palavras, de maneira involuntária. Trocam as palavras quando lêem ou escrevem, por exemplo: "gato" por "casa".
Têm as crianças disléxicas dificuldades em distinguir a esquerda e a direita.
Alteração na seqüência das letras que formam as sílabas e as palavras.
Confusão de palavras parecidas ou opostas em seu significado. Os homônimos, isto é, palavras semelhantes (seção, cessão e seção) apresentam uma dificuldade nas crianças disléxicas.
Os erros na separação das palavras.
Os disléxicos sofrem com a falta de rapidez ao ler. A leitura é sem modulação e sem ritmo. Os disléxicos, às vezes, com muito sacrifício, decodificam as palavras, mas não conseguem ter compreensão.
Os disléxicos têm falha na construção gramatical, especialmente na elaboração de orações complexas (coordenadas e subordinadas) na hora da redação espontânea.
Alterações de grafia como "a-o", "e-d", "h-n" e "e-d", por exemplo.
As crianças disléxicas apresentam uma caligrafia muito defeituosa, verificando-se irregularidade do desenho das letras, denotando, assim, perda de concentração e de fluidez de raciocínio.
Apresenta dificuldade em realizar cálculos por se atrapalhar com a grafia numérica ou não compreende a situação problema a ser resolvida.
Confusões com os sinais ( + ) adição e (x) multiplicação.
A dificuldade pode ser ainda para letras que possuem um ponto de articulação comum e cujos sons são acusticamente próximos: "d-t" e "c-q", por exemplo.
Causa da dislexia é genética, apontam especialistas segundo FELIPE MAIA da Folha Online ( 16/12/2007)
Apesar de ainda não haver total consenso entre os cientistas a respeito das causas da dislexia, as pesquisas mais recentes apontam para uma associação de problemas genéticos como fator para o aparecimento do distúrbio.
Os disléxicos teriam sofrido modificações em alguns de seus cromossomos, a estrutura da célula que carrega a informação genética de cada pessoa. Alguns genes atuariam de forma conjunta e determinariam a pouca capacidade de leitura e escrita.
Por ser um distúrbio genético e hereditário, os especialistas recomendam que as crianças que possuem pais ou outros parentes com dislexia sejam analisadas com cuidado.
"Trata-se de uma criança de risco, então é importante que ela passe por uma avaliação. Quanto mais cedo a dislexia for diagnosticada, melhor", afirma Maria Angela Nico (2007), fonoaudióloga e coordenadora técnica e científica da ABD (Associação Brasileira de Dislexia).
O diagnóstico tem que ser realizado por uma equipe clínica multidisciplinar, formada por psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos, clínicos e neurologistas.
O processo é feito de maneira excludente. Ou seja., para detectar se alguém é disléxico, elimina-se a possibilidade de ele não apresentar outros problemas neurológicos e psicológicos, como déficit intelectual, deficiências auditivas e visuais ou lesões cerebrais.
Não há uma cura para a dislexia, mas um tratamento pode fazer com que os afetados possam desenvolver habilidades e minimizem os problemas. Trata-se de um trabalho cumulativo e sistemático de estimular o cérebro a compreender melhor os sinais da linguagem.
Segundo a especialista, outro fator associado ao distúrbio é o excesso de testosterona produzida pela mãe durante a gestação. Essa hipótese pode explicar o fato de haver, para cada quatro homens disléxicos, apenas uma mulher, conforme dados da ABD.
Por essa teoria, como a testosterona é um hormônio masculino, sua produção em excesso na gestação de uma menina pode provocar um aborto natural7.
SINAIS DE ALERTA
Problemas de Aprendizagem relacionados:
- Dificuldades na linguagem oral;
- Não associação de símbolos gráficos com as suas componentes auditivas;
- Dificuldades em seguir orientações e instruções;
- Dificuldades de memorização auditiva;
- Problemas de atenção;
- Problemas de lateralidade.
Na leitura e / ou na escrita:
- possíveis confusões (ex: f/v; p/b; ch/j; p/t; v/z; b/d ... )
- possíveis inversões (ex: ai/ia; per/pré; fla/fal; cubido/bicudo ... )
- possíveis omissões (ex: livo/livro; batata/bata ... )
Respostas urgentes a implementar:
- Criação de estruturas de despiste e reeducação precoces.
- Consultas multidisciplinares para avaliação compreensiva de casos.
- Formação de professores numa pedagogia específica.
- Meios de informação sobre estruturas de apoio a alunos com dislexia.
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7. Disponível em http://www1.folhauol.com.br/folha/ciencia/ult306u334708.shtml
quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
A aquisição da palavra e a função reguladora da linguagem
APORTES PEDAGÓGICOS
INTRODUÇÃO
A linguagem é atividade essencial do conhecimento do mundo do ponto de vista da aquisição. É a espaço em que a criança se constitui como sujeito e em que os objetos do mundo físico, os papéis das palavras e as categorias Iingüísticas não existem inicialmente, mas se instauram através da experiência ao longo do desenvolvimento infantil.
O desconhecimento do desenvolvimento normal da criança na aquisição da Iinguagem e dos mecanismos de regulação da sua ação em decorrência do uso da palavra pelo adulto, leva o profissional a cometer equívocos no tratamento e/ou no encaminhamento da criança, perdendo um tempo considerável e, muitas vezes, crucial para o adequado atendimento. Por outro lado o desconhecimento pode acarretar a rotulação do sujeito e a consideração um estágio normal como transtorno quando, de fato, não se soube avaliar as diferenças individuais no desenvolvimento normal da criança.
Assim, é necessário compreender como o modo como as crianças adquirem e desenvolvem a linguagem essa operacionalização até que a palavra expresse seu pensamento e, como ocorrem se dá a regulação dos processos psíquicos do sujeito através da palavra. É imprescindível conhecer esses aspectos do desenvolvimento infantil e as transformações que vão se operando gradativamente no sujeito tanto para fazer encaminhamentos quanto para diagnosticar e tratar adequadamente os problemas apresentados nesse campo.
Primeiramente se tratará, em termos gerais, do significado, do desenvolvimento e do sentido da palavra; depois, mais especificamente, do desenvolvimento da palavra / linguagem em relação ao desenvolvimento infantil, do surgimento do conceito e da função reguladora da palavra / linguagem das ações da criança, assim como das implicações psicopedagógicas.
O SIGNIFICADO DA PALAVRA
A palavra é a unidade fundamental da língua.
Luria (1985) ensina que o elemento fundamental da linguagem é a palavra, a qual designa coisas, individualiza as características desses objetos e os reúne em determinadas categorias, designa também ações e relações entre as coisas, ou seja, "a palavra codifica nossa experiência”.
A palavra tem uma estrutura complexa com dois componentes básicos: representação material e significado; cada palavra constitui um objeto, gerando no sujeito uma imagem deste objeto.
A representação material – função básica da palavra – é a função representativa da palavra, considerada a mais importante por ser constituinte da linguagem que permite ao homem evocar as imagens de objetos correspondentes até quando estão ausentes.
O significado – análise dos objetos – função mais complexa que permite distinguir as propriedades dos objetos e relacioná-los segundo a categoria; esta função é meio de abstração e generalização do objeto, ou seja, através da análise dos significados das partes componentes de uma palavra que nomeia um objeto se pode conhecer as várias significações que a construíram – o autor analisou a palavra russa que identifica tinteiro, a qual inicialmente parecia muito simples e se revelou complexa, indicando que este objeto está relacionado com tinta, serve para realizar alguma coisa e é um recipiente, ou seja, a análise da morfologia da palavra revela a complexidade de sua função. Essa análise pode ser utilizada para descobrir a função de um objeto desconhecido quando se conhece a palavra que serve para designá-lo ou, no caso dessa palavra inexistir, para se criar uma palavra adequada para nomeá-lo e que carregue todo o significado da sua função.
Vygotsky (1993) atribui a própria gênese da palavra a característica de imagem, ensinando que "a palavra primitiva não é um símbolo direto de um conceito, mas sim uma imagem, uma figura, um esboço mental de um conceito, um breve retrato dele – na verdade, uma pequena obra de arte. Ao nomear um objeto por meio de tal conceito pictórico, o homem relaciona-o a um grupo que contém certo número de outros objetos”.
Luria e Yudovich (1985) dizem que a palavra, na sua função básica, indica o objeto correspondente no mundo externo e abstrai e isola o sinal necessário, generaliza os sinais percebidos e os relaciona com determinadas categorias.
Esses autores citam um exemplo para mostrar que a palavra relacionada à percepção direta do objeto isola seus traços fundamentais: ao nomear o objeto percebido de "copo" e acrescentar o seu papel fundamental "serve para beber", isolam-se suas propriedades essenciais e se inibe as menos essenciais como o peso e a forma exterior; ao assinalar com a palavra "como" (para que serve) qualquer copo, independente da forma, toda a percepção desse objeto é permanente e generalizada.
Lenin (1985) observou que o objeto (nomeado) de conhecimento não são as coisas em si, mas principalmente a relação entre elas; o mesmo objeto pode ser o objeto de estudo da física, da economia, da estética, etc., concluindo que as coisas não são captadas somente pela forma imediata, mas também pelos reflexos de suas relações, ou seja, a homem transcende aos Iimites sensoriais da experiência imediata e forma conceitos abstratos que permitem penetrar mais profundamente na essência delas.
Desenvolvimento do significado da palavra
A referência objetal da palavra não está terminada na criança aos três primeiros anos de vida, tendo a palavra alcançado seu desenvolvimento pleno de tal forma que daí em diante haveria apenas um enriquecimento do vocabulário como se pensava anteriormente, pois, segundo Luria (1985), o significado da palavra não conclui seu desenvolvimento neste período. Depois que o desenvolvimento da palavra alcança seu significado objetal exato e estável, desenvolve-se em direção ao seu referencial de função generalizadora, chegando ao seu significado.
Esta hierarquia estrutural, com categorias subordinadas entre si, constitui-se no "sistema de conceitos abstratos, diferenciando-se dos enlaces situacionais imediatos, característico da palavra nos estágios iniciais do desenvolvimento" mostrando que o significado muda ao mesmo tempo em que os processos psíquicos se realizam. Luria (1985)
A correlação da palavra com as significados abstratos generalizadores (função generalizadora) não é sempre a mesma, segundo Luria (1985), pois cada grupo de palavras tem diferenças essenciais como os substantivos em que os elementos figurados concretos são muito fortes (pinheiro, cão) ou são afastados pelo significado abstrato generalizador (árvore, animal); nos adjetivos e nos verbos (surgidos depois dos substantivos) os componentes materiais ficam em segundo plano e a discriminação da qualidade ou da ação, abstraídas do objeto remanescente, compõe o significado básico dessas palavras.
Para Vygotsky (1993 / p.70) a palavra, tomada como um estímulo e mediada pelo signo, tem como reação o resgate de conceitos, imagens e sentimentos pelo sujeito, relacionados ao contexto da produção do estímulo:
[...] o sentido de uma palavra á a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluido e dinâmico, que tem várias zonas de estabilidade desigual. O significado é apenas uma das zonas do sentido, a mais estável e precisa. Uma palavra adquire o seu sentido no contexto em que surge; em contextos diferentes, altera o seu sentido. O significado permanece estável ao longo de todas as alterações do sentido. O significado dicionarizado de uma palavra nada mais é do que uma pedra no edifício do sentido, não passa de uma potencialidade que se realiza de formas diversas na fala.
Esse pensamento pode ser complementado com a afirmação que “a palavra não alcança sua significação completa exceto numa sentença, isto é, numa relação sintática", ou seja, a operação de significação não pode ser deduzida exclusivamente da palavra e do seu conceito, mas sim do contexto na qual está inserida, do seu significado.
O SENTIDO DA PALAVRA
O sentido da palavra deriva do "processo de escolha do significado adequado entre todo um sistema de alternativas que surgem", ou seja, o sistema de relações destacado entre muitos significados possíveis; o sentido da palavra, assim, depende da tarefa concreta que o sujeito tem diante de si e da situação concreta em que ele vai empregar a palavra; o significado pode, então, ser diverso em várias situações, mesmo que exteriormente permaneça o mesmo.
Além da estrutura morfológica, a entonação na pronúncia da palavra também permite que se mude o seu sentido, escolhendo um específico entre tantos outros.
Assim, o emprego real da palavra é a escolha do sentido adequado ao que se quer expressar entre os possíveis significados e só com um sistema de escolha funcionando com precisão, com a realce do sentido adequado e a inibição das outras alternativas, se pode desenvolver com êxito a comunicação.
O SURGIMENTO DO CONCEITO
Compreender não é o mesmo que perceber: é aperceber, isto é, entender o verdadeiro significado conceitual do percebido.
Para Vygotsky (1992) a aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais superiores: ela dá uma forma definida ao pensamento, possibilita o aparecimento da imaginação, o uso da memória e o planejamento da ação. Neste sentido, a Iinguagem sistematiza a experiência direta dos sujeitos e, por isso, adquire uma função central no desenvolvimento cognitivo, reorganizando os processos que nele estão em andamento.
Todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem a meio básico para dominá-las e dirigi-Ias. O signo mediador é incorporado à sua estrutura como parte indispensável, na verdade a parte central do processo como um todo. Na formação de conceitos, esse signo é a palavra, que em princípio tem papel de meio na formação de um conceito e, posteriormente, toma-se a seu símbolo.
As concepções de Vygotsky sobre o processo de formação de conceitos remetem às relações entre pensamento e Iinguagem, à questão cultural no processo de construção de significados pelos indivíduos, ao processo de internalização e ao papel da escola na transmissão de conhecimento, que é de natureza diferente daqueles aprendidos na vida cotidiana. Propõe uma visão de formação das funções psíquicas superiores como internalização mediada pela cultura.
Luria (1986) estudou profundamente as experiências de Vygotsky nessa área onde desenvolveu um grande trabalho, reconhecido pelos estudiosos sobre a formação de conceitos. Os conceitos espontâneos ou do cotidiano, também chamados de senso comum, são aqueles que não passaram pelo crivo da ciência. Os conceitos científicos são formais, organizados, sistematizados, testados pelos meios científicos, que em geral são transmitidos pela escola e que aos poucos vão sendo incorporados ao senso comum.
Os conceitos científicos, conforme Luria (1986), adquiridos no processo de aprendizagem da criança, são formulados verbalmente (pela mediação do professor) e só mais tarde ela tem condições de juntar a eles um conteúdo válido. A criança adquire consciência dos seus conceitos espontâneos relativamente tarde: a capacidade de defini-los por meio de palavras, de operar com eles à vontade, aparece muito tempo depois de adquirir os conceitos. Ela possui o conceito, isto é, conhece o objeto ao qual o conceito se refere, mas não está consciente do seu próprio ato de pensamento. O autor enfatiza que na formação dos conceitos comuns (espontâneos ou do cotidiano – se formam a partir da atividade prática e da experiência figurada direta) predominam as relações circunstanciais concretas e nos conceitos científicos (formam-se com a participação das operações lógico-verbais), as relações lógicas abstratas.
Segundo Oliveira (1992), Vygotsky propôs o percurso genético do desenvolvimento do pensamento conceitual em três estágios. No primeiro estágio, a criança forma conjuntos sincréticos, agrupando objetos com base em nexos vagos, subjetivos e baseados em fatores perceptuais como a proximidade espacial, por exemplo. Esses
nexos são instáveis e não relacionados aos atributos relevantes dos objetos. O segundo estágio é chamado por Vygotsky de pensamento por complexos: “em um complexo, as ligações entre seus componentes são concretas e factuais, e não abstratas e lógicas”.
No terceiro estágio, onde ocorre a formação dos conceitos propriamente ditos, a criança agrupa objetos com base num único atributo, sendo capaz de abstrair características isoladas da totalidade da experiência concreta.
Com base nas experiências realizadas por Vygotsky, Luria observa que em diferentes etapas o significado da palavra encobre diferentes formas de generalização e diferentes processos psicológicos e, assim, evolui. Enfatiza também o autor a importância diagnóstica da formação dos conceitos, estabelecendo “o nível que a criança pode atingir, estando numa fase inferior do desenvolvimento intelectual, e as peculiaridades do processo de formação dos conceitos que caracterizam determinados estados patológicos da atividade cerebral”.
O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA X DESENVOLVIMENTO DA PALAVRA
De acordo com Vygotsky (1992), todas as atividades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade. Neste processo de desenvolvimento cognitivo, a linguagem tem papel crucial na determinação de como o sujeito vai aprender a pensar, uma vez que formas avançadas de pensamento são transmitidas à criança através de palavras.
A palavra, segundo Luria e Yudovich (1985), influi sobre a criança, enriquecendo e aprofundando sua percepção direta e conformando sua consciência.
Inicialmente a criança não tem consciência da composição verbal da palavra que vai surgindo no decorrer de um período; nas primeiras etapas do desenvolvimento a criança confunde a palavra com o objeto. Os experimentos que evidenciaram o caminho percorrido pela criança nessa tomada de consciência da estrutura verbal da Iinguagem foram propostos por Vygotsky em 1856 e depois por Karpona em 1967.
As etapas normais de aquisição da linguagem estão especificadas no Quadro 1 e a variabilidade dessa aquisição, ou seja, as variações dentro do que é considerado normal, está esquematizada no Quadro 2.
Quadro 1 - Etapas normais da aquisição da linguagem
0 – 3 meses
4 – 6 meses
7 – 9 meses
10 – 12 meses
12 – 18 meses
2 anos
3 anos
4 anos
Produção de sons (choro / consolo, gritos, barulhos); discriminação se sons familiares.
Discriminação dos sons da fala – compreensão das palavras – balbucio, produção de vogais e depois de consoantes, expressões faciais.
Balbucio duplicado (bababa) de forma interativa e produção gestual comunicativa – aponta para objetos.
Primeiras palavras reais + jargão (balbucio com fala).
Contato visual, expressões faciais, vocalizações e gestos – se faz entender por meio dessas formas de comunicação antes mesmo de falar.
Produção de 10 – 50 palavras e algumas frases de algumas palavras – chama a atenção para receber uma resposta verbal do adulto.
Produção 150 – 200 palavras e frases de a 3 palavras – nomeia objetos quando inquirida.
Sentenças gramaticais – artigo, preposição, plural – formula questões.
Clara sintaxe – completa inteligibilidade é esperada aos 4 anos e 6 meses – meninas em média um pouco antes – para fonologia do português e do inglês.
Fonte: Pedroso e Rotta (2006)
Quadro 2 – Variabilidade normal da aquisição da linguagem
Em 25% das crianças
Em 90% das crianças
I – Compreensão visual – com 10 meses apontam para os objetos desejados espontaneamente.
II – Compreensão auditiva – com 25,8 meses nomeiam e explicam a função de objetos perguntados pelo examinador.
III – Expressão falada – com 27,3 meses nomeiam e explicam a função de 2 objetos espontaneamente.
I – Compreensão visual – com 17,7 meses apontam para os objetos desejados espontaneamente.
II – Compreensão auditiva – com 32,6 meses nomeiam e explicam a função de objetos perguntados pelo examinador.
III – Expressão falada – com 34,4 meses nomeiam e explicam a função de 2 objetos espontaneamente.
Fonte: Pedroso e Rotta (2006)
Como se pode observar nos quadros, no inicio do desenvolvimento da criança a consciência tem caráter afetivo. Segundo Luria (1985) esse caráter reflete o mundo afetivamente; a seguir a consciência passa ao concreto imediato, assim como as palavras que se refletem em seu mundo; no estágio seguinte a consciência passa a ser lógica, verbal e abstrata mesmo que os estágios anteriores permaneçam encobertos.
O significado da palavra muda substancialmente quanto ao seu significado no decorrer do desenvolvimento da criança: inicialmente o papel fundamental da palavra e desempenhado pelo afeto, pelo agradável ou desagradável; mais tarde, pela imagem imediata, a memória, reproduzindo uma situação determinada; para o adulto, são os enlaces lógicos presentes nas palavras que configuram o papel principal.
A partir do momento que a criança descobre que tudo tem um nome, cada novo objeto que surge representa um problema que ela resolve atribuindo-lhe um nome. Quando lhe falta a palavra para nomear este novo objeto, a criança recorre ao adulto. Esses significados básicos de palavras assim adquiridos funcionarão como embriões para a formação de novos e mais complexos conceitos.
Função reguladora da linguagem
Levando-se em consideração essas assertivas, caso que nos interessa diretamente no fazer psicopedagógico, examina-se as considerações de autores como Vygotsky e Luria, em relação à subordinação da criança ao adulto: quando a criança adquire uma palavra que designa um objeto em particular e serve como sinal de uma ação concreta, ela se subordina a esta palavra, assim como à instrução verbal do adulto. A palavra, portanto, regula a conduta da criança, organizando sua atividade num nível mais alto e qualitativamente novo. "Esta subordinação das reações da criança à palavra de um adulto é o começo de uma longa cadeia de formação de aspectos complexos da sua atividade consciente e voluntária”.
Luria (1985) enfatiza que "além da função cognoscitiva da palavra e sua função como instrumento de comunicação, há sua função pragmática ou reguladora; a palavra não é somente um instrumento de reflexo da realidade, é o meio de regulação da conduta".
Vygotsky (1993) ensina que é indispensável examinar como os processos voluntários se formam no curso do desenvolvimento da atividade concreta do sujeito e na sua comunicação com o adulto, cuja organização está baseada no desenvolvimento lingüístico da criança.
Segundo Luria (1985), a primeira etapa da função reguladora da Iinguagem da criança – função base do comportamento voluntário – é a capacidade de subordinação à instrução verbal do adulto e, a partir dessa "subordinação primitiva" forma-se o ato voluntário.
Quando a mãe nomeia um objeto e junta a ele um gesto indicador, está reorganizando a atenção da criança e separando o objeto mencionado dos demais, assim a criança começa a se subordinar a ação da linguagem do adulto.
Para fortalecer o papel regulador da linguagem nessa etapa (até 2-3 anos), é preciso assinalar o objeto nomeado com gestos ou indicações, reforçando-os pela ação, permitindo que a criança fixe melhor e posse cumprir a tarefa corretamente.
Pais, alunos e professores precisam entender que a dislexia, ao contrário do que definem alguns profissionais de educação terapêutica ou de saúde mental, não é, definitivamente, uma doença ou transtorno. Para os que atuam, em sala de aula, com disléxicos no ensino fundamental ou no ensino médio, cabe o juízo critico e o discernimento pedagógico de que a dislexia é, apenas, uma dificuldade específica no aprendizado da leitura no período escolar. Os disléxicos podem aprender. Aliás, todas as crianças especiais são aprendentes em potencial. Se fracassam no período escolar, não fracassam sozinhas: a escola, do gestor ao professor, também fracassou.
Entender a dislexia como dificuldade e não como patologia, por exemplo, não quer dizer que nós educadores, para podermos explicar as dificuldades leitoras, não possamos recorrer a aportes teóricos das ciências da saúde ou da linguagem clínica, especialmente as pesquisas na Neurologia e Psicologia Clinica, que nos ajudam, real mente, a compreender o que ocorre durante a aquisição, desenvolvimento e processamento da linguagem escrita dos disléxicos. Conhecer o cérebro dos disléxicos é um passo que ilumina a atuação profissional dos docentes, pais e os próprios alunos.
A Psicologia Cognitiva pode e deve ser uma grande aliada dos profissionais de educação que atuam na intervenção pedagógica (quando o método escolar de ensino de leitura falha) ou psicopedagógica (quando a criança apresenta, por exemplo, um déficit de memória ou falta de motivação para a leitura). Piaget (1975)
A dislexia passou a ter uma explicação mais plausível com a vinculação da linguagem à cognição, no ¬chamado cognitivismo. A aquisição e o desenvolvimento da linguagem são processos, segundo a teoria cognitivista, derivados dos processos do desenvolvimento do raciocínio na criança. Por isso, os que desejam saber mais dislexia precisam também saber mais sobre a linguagem oral, escrita, o processamento da informação, enfim, a criança e os estágios do desenvolvimento cognitivo à luz das teorias piagetianas. Piaget (1975)
Todavia, é bom lembrar que Piaget, assim como Vygotsky não estão interessados diretamente em assuntos lingüísticos ou patológicos da aquisição da linguagem, mas na relação linguagem / pensamento. Estão sempre preocupados com a epistemologia da linguagem. Aqui, então, podemos explicar o disléxico como alguém que é capaz de construir estruturas (conhecimento) com base na experiência com o mundo físico, ao interagir e ao reagir biologicamente a ele, no momento da interação. Piaget (1975)
Graças às teorias piagetianas ou construtivistas não se vê o disléxico como um doente ou paciente, mas como alguém saudável que apresenta dificuldade na aprendizagem da linguagem escrita, no momento de interação com o sistema de escrita (bastante complexo) e com os falantes de sua língua materna (marcada pela diversidade regional, por exemplo).
Dislexia e estágio sensório-motor - Neste estágio, não se pode apontar com segurança se uma criança sofre ou não de dislexia, em que pese o atraso na fala ter um caráter preditivo no que se refere à dificuldade em leitura a partir dos seis anos de idade, quando se espera que já seja alfabetizado em leitura. Piaget (1982)
Como dizer com segurança se uma criança, na educação infantil, apresenta dislexia? A desconfiança de um problema futuro com a linguagem escrita, por apresentar déficit de fala, é um indício forte, mas, seria precipitação do professor ou dos próprios pais o rótulo de "disléxico" para toda criança que, na educação infantil, tem atraso na fala ou uma fala confusa.
Este estágio vai do nascimento aos dois anos de idade. Neste estágio, é possível desconfiar, em algumas crianças com risco em dislexia, das suas dificuldades no reconhecimento imediato das palavras conhecidas, especialmente rótulos.
A respeito dos rótulos, tão freqüentes na pedagogia construtivista ou método global de leitura, vale destacar que os rótulos são aqui definidos como impressos, afixados em recipientes e embalagens, que apresentam informações sobre o produto ali contido (p.ex., sua marca, principais características, apelos mercadológicos, nome e endereço do fabricante, peso, composição, teor alcoólico etc.). Piaget (1975)
Assim, as dificuldades iniciais dos "virtuais disléxicos", na educação infantil, se dariam, a partir dessa abordagem, quando a criança deixa de memorizar os rótulos, sem fazer uma associação, que considera, em princípio arbitrária, entre uma nova forma escrita e uma outra forma que ela já conhece.
Em todo caso, vale lembrar que, neste estágio de desenvolvimento cognitivo, não há, ainda, a mediação fonológica uma vez que não está alfabetizada em leitura. Pelo menos, não é na educação infantil que criança, no ambiente escolar, precisa aprender a ler no sentido de decodificação leitora, mas, claro, poderá a ler o mundo, na perspectiva mais ampla, através das várias manifestações dos signos visuais, lingüísticos, icônicos e símbolos a que estamos imersos na sociedade letrada. Piaget (1982)
Dislexia e estágio pré-operacional – Neste estágio, pode ser levantada a suspeita de dislexia no caso de insensibilização do educando às rimas. Este estágio vai dos dois aos sete anos de idade. Esta insensibilização à rima pode ser explicado pelo déficit fonológico dos disléxicos que diante de textos em versos, por exemplo, deixam de perceber: Piaget (1982)
1) a reiteração de sons (vocais, consonantais ou combinados) iguais ou similares, em uma ou mais sílabas, geralmente, acentuadas, que ocorrem em intervalos determinados e reconhecíveis;
2) o apoio fonético recorrente, entre dois ou mais versos, que consiste na reiteração total ou parcial do segmento fonético final de um verso a partir da última tônica, com igual ocorrência no meio ou no fim de outro verso. Os disléxicos desenvolvimentais são potencialmente disléxicos fonológicos.
Dislexia e estágio operatório-concreto – em se tratando de idade vai de sete ou 8 a 11 ou 12 anos de idade. É o estágio da construção da lógica. Crianças, por exemplo, que têm dificuldade de fazer a correspondência entre letras e fonemas, isto é, de perceber o princípio alfabético do sistema de escrita da sua língua materna, são aspirantes à dislexia. Aqui, sim, uma criança não tem assegurado no seu aprendizado o princípio alfabético tem tudo para apresentar dificuldade em ler um texto, seja em prosa ou em verso. Piaget (1982)
Como decantar um texto escrito senão pela conversão dos grafemas em fonemas ou sons da fala? Mesmo que cogitemos, à luz das teorias construtivistas ou inatistas, aqui, que as crianças trazem consigo um "potencial leitor" e que poderão, uma vez estimulados, pedagogicamente, a ler os textos com seus conhecimentos prévios, portanto, ler o texto antes de decodificá-los, aos 8, 9, 10, 11 ou 12 anos, esperamos, como educadores, que tenham aprendido a soletrar palavras, frases e tenham, pois, a proficiência literal em leitura inicial.
Os disléxicos cometem erros visuais e, em geral, negam-se a responder questões de compreensão literal do texto lido, utilizando, quase sempre, estratégias grafêmicas parciais que podem estar em desacordo com seu estoque de fonemas e grafemas do sistema escrito de sua língua materna.
Dislexia e Estágio operatório-formal – Este estágio vai de 11 ou 12 anos em diante, fase em que a criança raciocina. Crianças que aprendem a deduzir informações, aprendem a aprender. Aqui se espera que a criança já tenha a automatização dos processos de leitura, em que pode realizar uma leitura de texto com fluência, rápida, uma vez que a criança não efetua mais uma decodificação sistemática da seqüência ortográfica da palavra. Piaget (1982)
Os disléxicos, neste estágio, dão aos professores, seus grandes observadores, os primeiros indícios de suas dificuldades leitoras, escritoras e ortográficas, ao conseguirem, inesperadamente, depois de tantos anos de bancos escolares, a automatização leitora, fracassando na hora de ler um texto em voz alta ou de soletrar algumas palavras não familiares, e, com isso, em geral, acabam perdendo um tempo precioso na leitura eficaz ao se concentrarem no tratamento das letras que constituem as palavras, a fim de decodificá-las para não errar, o que acaba por conduzir a leitura de forma lenta, sofrível e analítica. Piaget (1982)
No discurso dos pais e educadores, o "defeito inesperado" na leitura dos disléxicos, em geral, com quociente de inteligência acima da média, gera uma gama de reações inusitadas e, por isso, surgem rótulos, dentro e fora da escola, do tipo: meu filho ou meu aluno tem uma leitura abrupta, acidental, brusca, casual, episódico, impensada, imprevisível, imprevista, incalculada e incomum.
A leitura, sim; o leitor, não. A leitura em voz dos disléxicos poderá ser assim percebida pelos que estão ao seu redor, mas, não tenhamos dúvida, eles, os disléxicos, já buscam compensações para superar suas dificuldades específicas, o que certamente exigirá dos que atuam no campo educacional, um princípio de tolerância no desenvolvimento da capacidade de aprender a ler desses alunos especiais.
Numa palavra, os disléxicos requerem uma intervenção paciente e encorajadora dos que realmente têm a vocação de ensinar a crianças, jovens ou adultos inteligentes e interessados em aprender, mas com necessidades educacionais especiais e que nos levam a entender que as diferenças lingüísticas nos tornam mais especiais, belos e excelentes aos olhos magníficos dos homens e ao olhar eternamente magnânimo de Deus.
APORTES PEDAGÓGICOS
INTRODUÇÃO
A linguagem é atividade essencial do conhecimento do mundo do ponto de vista da aquisição. É a espaço em que a criança se constitui como sujeito e em que os objetos do mundo físico, os papéis das palavras e as categorias Iingüísticas não existem inicialmente, mas se instauram através da experiência ao longo do desenvolvimento infantil.
O desconhecimento do desenvolvimento normal da criança na aquisição da Iinguagem e dos mecanismos de regulação da sua ação em decorrência do uso da palavra pelo adulto, leva o profissional a cometer equívocos no tratamento e/ou no encaminhamento da criança, perdendo um tempo considerável e, muitas vezes, crucial para o adequado atendimento. Por outro lado o desconhecimento pode acarretar a rotulação do sujeito e a consideração um estágio normal como transtorno quando, de fato, não se soube avaliar as diferenças individuais no desenvolvimento normal da criança.
Assim, é necessário compreender como o modo como as crianças adquirem e desenvolvem a linguagem essa operacionalização até que a palavra expresse seu pensamento e, como ocorrem se dá a regulação dos processos psíquicos do sujeito através da palavra. É imprescindível conhecer esses aspectos do desenvolvimento infantil e as transformações que vão se operando gradativamente no sujeito tanto para fazer encaminhamentos quanto para diagnosticar e tratar adequadamente os problemas apresentados nesse campo.
Primeiramente se tratará, em termos gerais, do significado, do desenvolvimento e do sentido da palavra; depois, mais especificamente, do desenvolvimento da palavra / linguagem em relação ao desenvolvimento infantil, do surgimento do conceito e da função reguladora da palavra / linguagem das ações da criança, assim como das implicações psicopedagógicas.
O SIGNIFICADO DA PALAVRA
A palavra é a unidade fundamental da língua.
Luria (1985) ensina que o elemento fundamental da linguagem é a palavra, a qual designa coisas, individualiza as características desses objetos e os reúne em determinadas categorias, designa também ações e relações entre as coisas, ou seja, "a palavra codifica nossa experiência”.
A palavra tem uma estrutura complexa com dois componentes básicos: representação material e significado; cada palavra constitui um objeto, gerando no sujeito uma imagem deste objeto.
A representação material – função básica da palavra – é a função representativa da palavra, considerada a mais importante por ser constituinte da linguagem que permite ao homem evocar as imagens de objetos correspondentes até quando estão ausentes.
O significado – análise dos objetos – função mais complexa que permite distinguir as propriedades dos objetos e relacioná-los segundo a categoria; esta função é meio de abstração e generalização do objeto, ou seja, através da análise dos significados das partes componentes de uma palavra que nomeia um objeto se pode conhecer as várias significações que a construíram – o autor analisou a palavra russa que identifica tinteiro, a qual inicialmente parecia muito simples e se revelou complexa, indicando que este objeto está relacionado com tinta, serve para realizar alguma coisa e é um recipiente, ou seja, a análise da morfologia da palavra revela a complexidade de sua função. Essa análise pode ser utilizada para descobrir a função de um objeto desconhecido quando se conhece a palavra que serve para designá-lo ou, no caso dessa palavra inexistir, para se criar uma palavra adequada para nomeá-lo e que carregue todo o significado da sua função.
Vygotsky (1993) atribui a própria gênese da palavra a característica de imagem, ensinando que "a palavra primitiva não é um símbolo direto de um conceito, mas sim uma imagem, uma figura, um esboço mental de um conceito, um breve retrato dele – na verdade, uma pequena obra de arte. Ao nomear um objeto por meio de tal conceito pictórico, o homem relaciona-o a um grupo que contém certo número de outros objetos”.
Luria e Yudovich (1985) dizem que a palavra, na sua função básica, indica o objeto correspondente no mundo externo e abstrai e isola o sinal necessário, generaliza os sinais percebidos e os relaciona com determinadas categorias.
Esses autores citam um exemplo para mostrar que a palavra relacionada à percepção direta do objeto isola seus traços fundamentais: ao nomear o objeto percebido de "copo" e acrescentar o seu papel fundamental "serve para beber", isolam-se suas propriedades essenciais e se inibe as menos essenciais como o peso e a forma exterior; ao assinalar com a palavra "como" (para que serve) qualquer copo, independente da forma, toda a percepção desse objeto é permanente e generalizada.
Lenin (1985) observou que o objeto (nomeado) de conhecimento não são as coisas em si, mas principalmente a relação entre elas; o mesmo objeto pode ser o objeto de estudo da física, da economia, da estética, etc., concluindo que as coisas não são captadas somente pela forma imediata, mas também pelos reflexos de suas relações, ou seja, a homem transcende aos Iimites sensoriais da experiência imediata e forma conceitos abstratos que permitem penetrar mais profundamente na essência delas.
Desenvolvimento do significado da palavra
A referência objetal da palavra não está terminada na criança aos três primeiros anos de vida, tendo a palavra alcançado seu desenvolvimento pleno de tal forma que daí em diante haveria apenas um enriquecimento do vocabulário como se pensava anteriormente, pois, segundo Luria (1985), o significado da palavra não conclui seu desenvolvimento neste período. Depois que o desenvolvimento da palavra alcança seu significado objetal exato e estável, desenvolve-se em direção ao seu referencial de função generalizadora, chegando ao seu significado.
Esta hierarquia estrutural, com categorias subordinadas entre si, constitui-se no "sistema de conceitos abstratos, diferenciando-se dos enlaces situacionais imediatos, característico da palavra nos estágios iniciais do desenvolvimento" mostrando que o significado muda ao mesmo tempo em que os processos psíquicos se realizam. Luria (1985)
A correlação da palavra com as significados abstratos generalizadores (função generalizadora) não é sempre a mesma, segundo Luria (1985), pois cada grupo de palavras tem diferenças essenciais como os substantivos em que os elementos figurados concretos são muito fortes (pinheiro, cão) ou são afastados pelo significado abstrato generalizador (árvore, animal); nos adjetivos e nos verbos (surgidos depois dos substantivos) os componentes materiais ficam em segundo plano e a discriminação da qualidade ou da ação, abstraídas do objeto remanescente, compõe o significado básico dessas palavras.
Para Vygotsky (1993 / p.70) a palavra, tomada como um estímulo e mediada pelo signo, tem como reação o resgate de conceitos, imagens e sentimentos pelo sujeito, relacionados ao contexto da produção do estímulo:
[...] o sentido de uma palavra á a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluido e dinâmico, que tem várias zonas de estabilidade desigual. O significado é apenas uma das zonas do sentido, a mais estável e precisa. Uma palavra adquire o seu sentido no contexto em que surge; em contextos diferentes, altera o seu sentido. O significado permanece estável ao longo de todas as alterações do sentido. O significado dicionarizado de uma palavra nada mais é do que uma pedra no edifício do sentido, não passa de uma potencialidade que se realiza de formas diversas na fala.
Esse pensamento pode ser complementado com a afirmação que “a palavra não alcança sua significação completa exceto numa sentença, isto é, numa relação sintática", ou seja, a operação de significação não pode ser deduzida exclusivamente da palavra e do seu conceito, mas sim do contexto na qual está inserida, do seu significado.
O SENTIDO DA PALAVRA
O sentido da palavra deriva do "processo de escolha do significado adequado entre todo um sistema de alternativas que surgem", ou seja, o sistema de relações destacado entre muitos significados possíveis; o sentido da palavra, assim, depende da tarefa concreta que o sujeito tem diante de si e da situação concreta em que ele vai empregar a palavra; o significado pode, então, ser diverso em várias situações, mesmo que exteriormente permaneça o mesmo.
Além da estrutura morfológica, a entonação na pronúncia da palavra também permite que se mude o seu sentido, escolhendo um específico entre tantos outros.
Assim, o emprego real da palavra é a escolha do sentido adequado ao que se quer expressar entre os possíveis significados e só com um sistema de escolha funcionando com precisão, com a realce do sentido adequado e a inibição das outras alternativas, se pode desenvolver com êxito a comunicação.
O SURGIMENTO DO CONCEITO
Compreender não é o mesmo que perceber: é aperceber, isto é, entender o verdadeiro significado conceitual do percebido.
Para Vygotsky (1992) a aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais superiores: ela dá uma forma definida ao pensamento, possibilita o aparecimento da imaginação, o uso da memória e o planejamento da ação. Neste sentido, a Iinguagem sistematiza a experiência direta dos sujeitos e, por isso, adquire uma função central no desenvolvimento cognitivo, reorganizando os processos que nele estão em andamento.
Todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem a meio básico para dominá-las e dirigi-Ias. O signo mediador é incorporado à sua estrutura como parte indispensável, na verdade a parte central do processo como um todo. Na formação de conceitos, esse signo é a palavra, que em princípio tem papel de meio na formação de um conceito e, posteriormente, toma-se a seu símbolo.
As concepções de Vygotsky sobre o processo de formação de conceitos remetem às relações entre pensamento e Iinguagem, à questão cultural no processo de construção de significados pelos indivíduos, ao processo de internalização e ao papel da escola na transmissão de conhecimento, que é de natureza diferente daqueles aprendidos na vida cotidiana. Propõe uma visão de formação das funções psíquicas superiores como internalização mediada pela cultura.
Luria (1986) estudou profundamente as experiências de Vygotsky nessa área onde desenvolveu um grande trabalho, reconhecido pelos estudiosos sobre a formação de conceitos. Os conceitos espontâneos ou do cotidiano, também chamados de senso comum, são aqueles que não passaram pelo crivo da ciência. Os conceitos científicos são formais, organizados, sistematizados, testados pelos meios científicos, que em geral são transmitidos pela escola e que aos poucos vão sendo incorporados ao senso comum.
Os conceitos científicos, conforme Luria (1986), adquiridos no processo de aprendizagem da criança, são formulados verbalmente (pela mediação do professor) e só mais tarde ela tem condições de juntar a eles um conteúdo válido. A criança adquire consciência dos seus conceitos espontâneos relativamente tarde: a capacidade de defini-los por meio de palavras, de operar com eles à vontade, aparece muito tempo depois de adquirir os conceitos. Ela possui o conceito, isto é, conhece o objeto ao qual o conceito se refere, mas não está consciente do seu próprio ato de pensamento. O autor enfatiza que na formação dos conceitos comuns (espontâneos ou do cotidiano – se formam a partir da atividade prática e da experiência figurada direta) predominam as relações circunstanciais concretas e nos conceitos científicos (formam-se com a participação das operações lógico-verbais), as relações lógicas abstratas.
Segundo Oliveira (1992), Vygotsky propôs o percurso genético do desenvolvimento do pensamento conceitual em três estágios. No primeiro estágio, a criança forma conjuntos sincréticos, agrupando objetos com base em nexos vagos, subjetivos e baseados em fatores perceptuais como a proximidade espacial, por exemplo. Esses
nexos são instáveis e não relacionados aos atributos relevantes dos objetos. O segundo estágio é chamado por Vygotsky de pensamento por complexos: “em um complexo, as ligações entre seus componentes são concretas e factuais, e não abstratas e lógicas”.
No terceiro estágio, onde ocorre a formação dos conceitos propriamente ditos, a criança agrupa objetos com base num único atributo, sendo capaz de abstrair características isoladas da totalidade da experiência concreta.
Com base nas experiências realizadas por Vygotsky, Luria observa que em diferentes etapas o significado da palavra encobre diferentes formas de generalização e diferentes processos psicológicos e, assim, evolui. Enfatiza também o autor a importância diagnóstica da formação dos conceitos, estabelecendo “o nível que a criança pode atingir, estando numa fase inferior do desenvolvimento intelectual, e as peculiaridades do processo de formação dos conceitos que caracterizam determinados estados patológicos da atividade cerebral”.
O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA X DESENVOLVIMENTO DA PALAVRA
De acordo com Vygotsky (1992), todas as atividades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade. Neste processo de desenvolvimento cognitivo, a linguagem tem papel crucial na determinação de como o sujeito vai aprender a pensar, uma vez que formas avançadas de pensamento são transmitidas à criança através de palavras.
A palavra, segundo Luria e Yudovich (1985), influi sobre a criança, enriquecendo e aprofundando sua percepção direta e conformando sua consciência.
Inicialmente a criança não tem consciência da composição verbal da palavra que vai surgindo no decorrer de um período; nas primeiras etapas do desenvolvimento a criança confunde a palavra com o objeto. Os experimentos que evidenciaram o caminho percorrido pela criança nessa tomada de consciência da estrutura verbal da Iinguagem foram propostos por Vygotsky em 1856 e depois por Karpona em 1967.
As etapas normais de aquisição da linguagem estão especificadas no Quadro 1 e a variabilidade dessa aquisição, ou seja, as variações dentro do que é considerado normal, está esquematizada no Quadro 2.
Quadro 1 - Etapas normais da aquisição da linguagem
0 – 3 meses
4 – 6 meses
7 – 9 meses
10 – 12 meses
12 – 18 meses
2 anos
3 anos
4 anos
Produção de sons (choro / consolo, gritos, barulhos); discriminação se sons familiares.
Discriminação dos sons da fala – compreensão das palavras – balbucio, produção de vogais e depois de consoantes, expressões faciais.
Balbucio duplicado (bababa) de forma interativa e produção gestual comunicativa – aponta para objetos.
Primeiras palavras reais + jargão (balbucio com fala).
Contato visual, expressões faciais, vocalizações e gestos – se faz entender por meio dessas formas de comunicação antes mesmo de falar.
Produção de 10 – 50 palavras e algumas frases de algumas palavras – chama a atenção para receber uma resposta verbal do adulto.
Produção 150 – 200 palavras e frases de a 3 palavras – nomeia objetos quando inquirida.
Sentenças gramaticais – artigo, preposição, plural – formula questões.
Clara sintaxe – completa inteligibilidade é esperada aos 4 anos e 6 meses – meninas em média um pouco antes – para fonologia do português e do inglês.
Fonte: Pedroso e Rotta (2006)
Quadro 2 – Variabilidade normal da aquisição da linguagem
Em 25% das crianças
Em 90% das crianças
I – Compreensão visual – com 10 meses apontam para os objetos desejados espontaneamente.
II – Compreensão auditiva – com 25,8 meses nomeiam e explicam a função de objetos perguntados pelo examinador.
III – Expressão falada – com 27,3 meses nomeiam e explicam a função de 2 objetos espontaneamente.
I – Compreensão visual – com 17,7 meses apontam para os objetos desejados espontaneamente.
II – Compreensão auditiva – com 32,6 meses nomeiam e explicam a função de objetos perguntados pelo examinador.
III – Expressão falada – com 34,4 meses nomeiam e explicam a função de 2 objetos espontaneamente.
Fonte: Pedroso e Rotta (2006)
Como se pode observar nos quadros, no inicio do desenvolvimento da criança a consciência tem caráter afetivo. Segundo Luria (1985) esse caráter reflete o mundo afetivamente; a seguir a consciência passa ao concreto imediato, assim como as palavras que se refletem em seu mundo; no estágio seguinte a consciência passa a ser lógica, verbal e abstrata mesmo que os estágios anteriores permaneçam encobertos.
O significado da palavra muda substancialmente quanto ao seu significado no decorrer do desenvolvimento da criança: inicialmente o papel fundamental da palavra e desempenhado pelo afeto, pelo agradável ou desagradável; mais tarde, pela imagem imediata, a memória, reproduzindo uma situação determinada; para o adulto, são os enlaces lógicos presentes nas palavras que configuram o papel principal.
A partir do momento que a criança descobre que tudo tem um nome, cada novo objeto que surge representa um problema que ela resolve atribuindo-lhe um nome. Quando lhe falta a palavra para nomear este novo objeto, a criança recorre ao adulto. Esses significados básicos de palavras assim adquiridos funcionarão como embriões para a formação de novos e mais complexos conceitos.
Função reguladora da linguagem
Levando-se em consideração essas assertivas, caso que nos interessa diretamente no fazer psicopedagógico, examina-se as considerações de autores como Vygotsky e Luria, em relação à subordinação da criança ao adulto: quando a criança adquire uma palavra que designa um objeto em particular e serve como sinal de uma ação concreta, ela se subordina a esta palavra, assim como à instrução verbal do adulto. A palavra, portanto, regula a conduta da criança, organizando sua atividade num nível mais alto e qualitativamente novo. "Esta subordinação das reações da criança à palavra de um adulto é o começo de uma longa cadeia de formação de aspectos complexos da sua atividade consciente e voluntária”.
Luria (1985) enfatiza que "além da função cognoscitiva da palavra e sua função como instrumento de comunicação, há sua função pragmática ou reguladora; a palavra não é somente um instrumento de reflexo da realidade, é o meio de regulação da conduta".
Vygotsky (1993) ensina que é indispensável examinar como os processos voluntários se formam no curso do desenvolvimento da atividade concreta do sujeito e na sua comunicação com o adulto, cuja organização está baseada no desenvolvimento lingüístico da criança.
Segundo Luria (1985), a primeira etapa da função reguladora da Iinguagem da criança – função base do comportamento voluntário – é a capacidade de subordinação à instrução verbal do adulto e, a partir dessa "subordinação primitiva" forma-se o ato voluntário.
Quando a mãe nomeia um objeto e junta a ele um gesto indicador, está reorganizando a atenção da criança e separando o objeto mencionado dos demais, assim a criança começa a se subordinar a ação da linguagem do adulto.
Para fortalecer o papel regulador da linguagem nessa etapa (até 2-3 anos), é preciso assinalar o objeto nomeado com gestos ou indicações, reforçando-os pela ação, permitindo que a criança fixe melhor e posse cumprir a tarefa corretamente.
Pais, alunos e professores precisam entender que a dislexia, ao contrário do que definem alguns profissionais de educação terapêutica ou de saúde mental, não é, definitivamente, uma doença ou transtorno. Para os que atuam, em sala de aula, com disléxicos no ensino fundamental ou no ensino médio, cabe o juízo critico e o discernimento pedagógico de que a dislexia é, apenas, uma dificuldade específica no aprendizado da leitura no período escolar. Os disléxicos podem aprender. Aliás, todas as crianças especiais são aprendentes em potencial. Se fracassam no período escolar, não fracassam sozinhas: a escola, do gestor ao professor, também fracassou.
Entender a dislexia como dificuldade e não como patologia, por exemplo, não quer dizer que nós educadores, para podermos explicar as dificuldades leitoras, não possamos recorrer a aportes teóricos das ciências da saúde ou da linguagem clínica, especialmente as pesquisas na Neurologia e Psicologia Clinica, que nos ajudam, real mente, a compreender o que ocorre durante a aquisição, desenvolvimento e processamento da linguagem escrita dos disléxicos. Conhecer o cérebro dos disléxicos é um passo que ilumina a atuação profissional dos docentes, pais e os próprios alunos.
A Psicologia Cognitiva pode e deve ser uma grande aliada dos profissionais de educação que atuam na intervenção pedagógica (quando o método escolar de ensino de leitura falha) ou psicopedagógica (quando a criança apresenta, por exemplo, um déficit de memória ou falta de motivação para a leitura). Piaget (1975)
A dislexia passou a ter uma explicação mais plausível com a vinculação da linguagem à cognição, no ¬chamado cognitivismo. A aquisição e o desenvolvimento da linguagem são processos, segundo a teoria cognitivista, derivados dos processos do desenvolvimento do raciocínio na criança. Por isso, os que desejam saber mais dislexia precisam também saber mais sobre a linguagem oral, escrita, o processamento da informação, enfim, a criança e os estágios do desenvolvimento cognitivo à luz das teorias piagetianas. Piaget (1975)
Todavia, é bom lembrar que Piaget, assim como Vygotsky não estão interessados diretamente em assuntos lingüísticos ou patológicos da aquisição da linguagem, mas na relação linguagem / pensamento. Estão sempre preocupados com a epistemologia da linguagem. Aqui, então, podemos explicar o disléxico como alguém que é capaz de construir estruturas (conhecimento) com base na experiência com o mundo físico, ao interagir e ao reagir biologicamente a ele, no momento da interação. Piaget (1975)
Graças às teorias piagetianas ou construtivistas não se vê o disléxico como um doente ou paciente, mas como alguém saudável que apresenta dificuldade na aprendizagem da linguagem escrita, no momento de interação com o sistema de escrita (bastante complexo) e com os falantes de sua língua materna (marcada pela diversidade regional, por exemplo).
Dislexia e estágio sensório-motor - Neste estágio, não se pode apontar com segurança se uma criança sofre ou não de dislexia, em que pese o atraso na fala ter um caráter preditivo no que se refere à dificuldade em leitura a partir dos seis anos de idade, quando se espera que já seja alfabetizado em leitura. Piaget (1982)
Como dizer com segurança se uma criança, na educação infantil, apresenta dislexia? A desconfiança de um problema futuro com a linguagem escrita, por apresentar déficit de fala, é um indício forte, mas, seria precipitação do professor ou dos próprios pais o rótulo de "disléxico" para toda criança que, na educação infantil, tem atraso na fala ou uma fala confusa.
Este estágio vai do nascimento aos dois anos de idade. Neste estágio, é possível desconfiar, em algumas crianças com risco em dislexia, das suas dificuldades no reconhecimento imediato das palavras conhecidas, especialmente rótulos.
A respeito dos rótulos, tão freqüentes na pedagogia construtivista ou método global de leitura, vale destacar que os rótulos são aqui definidos como impressos, afixados em recipientes e embalagens, que apresentam informações sobre o produto ali contido (p.ex., sua marca, principais características, apelos mercadológicos, nome e endereço do fabricante, peso, composição, teor alcoólico etc.). Piaget (1975)
Assim, as dificuldades iniciais dos "virtuais disléxicos", na educação infantil, se dariam, a partir dessa abordagem, quando a criança deixa de memorizar os rótulos, sem fazer uma associação, que considera, em princípio arbitrária, entre uma nova forma escrita e uma outra forma que ela já conhece.
Em todo caso, vale lembrar que, neste estágio de desenvolvimento cognitivo, não há, ainda, a mediação fonológica uma vez que não está alfabetizada em leitura. Pelo menos, não é na educação infantil que criança, no ambiente escolar, precisa aprender a ler no sentido de decodificação leitora, mas, claro, poderá a ler o mundo, na perspectiva mais ampla, através das várias manifestações dos signos visuais, lingüísticos, icônicos e símbolos a que estamos imersos na sociedade letrada. Piaget (1982)
Dislexia e estágio pré-operacional – Neste estágio, pode ser levantada a suspeita de dislexia no caso de insensibilização do educando às rimas. Este estágio vai dos dois aos sete anos de idade. Esta insensibilização à rima pode ser explicado pelo déficit fonológico dos disléxicos que diante de textos em versos, por exemplo, deixam de perceber: Piaget (1982)
1) a reiteração de sons (vocais, consonantais ou combinados) iguais ou similares, em uma ou mais sílabas, geralmente, acentuadas, que ocorrem em intervalos determinados e reconhecíveis;
2) o apoio fonético recorrente, entre dois ou mais versos, que consiste na reiteração total ou parcial do segmento fonético final de um verso a partir da última tônica, com igual ocorrência no meio ou no fim de outro verso. Os disléxicos desenvolvimentais são potencialmente disléxicos fonológicos.
Dislexia e estágio operatório-concreto – em se tratando de idade vai de sete ou 8 a 11 ou 12 anos de idade. É o estágio da construção da lógica. Crianças, por exemplo, que têm dificuldade de fazer a correspondência entre letras e fonemas, isto é, de perceber o princípio alfabético do sistema de escrita da sua língua materna, são aspirantes à dislexia. Aqui, sim, uma criança não tem assegurado no seu aprendizado o princípio alfabético tem tudo para apresentar dificuldade em ler um texto, seja em prosa ou em verso. Piaget (1982)
Como decantar um texto escrito senão pela conversão dos grafemas em fonemas ou sons da fala? Mesmo que cogitemos, à luz das teorias construtivistas ou inatistas, aqui, que as crianças trazem consigo um "potencial leitor" e que poderão, uma vez estimulados, pedagogicamente, a ler os textos com seus conhecimentos prévios, portanto, ler o texto antes de decodificá-los, aos 8, 9, 10, 11 ou 12 anos, esperamos, como educadores, que tenham aprendido a soletrar palavras, frases e tenham, pois, a proficiência literal em leitura inicial.
Os disléxicos cometem erros visuais e, em geral, negam-se a responder questões de compreensão literal do texto lido, utilizando, quase sempre, estratégias grafêmicas parciais que podem estar em desacordo com seu estoque de fonemas e grafemas do sistema escrito de sua língua materna.
Dislexia e Estágio operatório-formal – Este estágio vai de 11 ou 12 anos em diante, fase em que a criança raciocina. Crianças que aprendem a deduzir informações, aprendem a aprender. Aqui se espera que a criança já tenha a automatização dos processos de leitura, em que pode realizar uma leitura de texto com fluência, rápida, uma vez que a criança não efetua mais uma decodificação sistemática da seqüência ortográfica da palavra. Piaget (1982)
Os disléxicos, neste estágio, dão aos professores, seus grandes observadores, os primeiros indícios de suas dificuldades leitoras, escritoras e ortográficas, ao conseguirem, inesperadamente, depois de tantos anos de bancos escolares, a automatização leitora, fracassando na hora de ler um texto em voz alta ou de soletrar algumas palavras não familiares, e, com isso, em geral, acabam perdendo um tempo precioso na leitura eficaz ao se concentrarem no tratamento das letras que constituem as palavras, a fim de decodificá-las para não errar, o que acaba por conduzir a leitura de forma lenta, sofrível e analítica. Piaget (1982)
No discurso dos pais e educadores, o "defeito inesperado" na leitura dos disléxicos, em geral, com quociente de inteligência acima da média, gera uma gama de reações inusitadas e, por isso, surgem rótulos, dentro e fora da escola, do tipo: meu filho ou meu aluno tem uma leitura abrupta, acidental, brusca, casual, episódico, impensada, imprevisível, imprevista, incalculada e incomum.
A leitura, sim; o leitor, não. A leitura em voz dos disléxicos poderá ser assim percebida pelos que estão ao seu redor, mas, não tenhamos dúvida, eles, os disléxicos, já buscam compensações para superar suas dificuldades específicas, o que certamente exigirá dos que atuam no campo educacional, um princípio de tolerância no desenvolvimento da capacidade de aprender a ler desses alunos especiais.
Numa palavra, os disléxicos requerem uma intervenção paciente e encorajadora dos que realmente têm a vocação de ensinar a crianças, jovens ou adultos inteligentes e interessados em aprender, mas com necessidades educacionais especiais e que nos levam a entender que as diferenças lingüísticas nos tornam mais especiais, belos e excelentes aos olhos magníficos dos homens e ao olhar eternamente magnânimo de Deus.
Definições de Dilexia
DISLEXIA – DEFINIÇÕES
Reinhld Berlin em 1884, foi o primeiro a introduzir o conceito de Dislexia, cuja sua definição era "condição que ocorria quando uma pessoa de inteligência normal tinha dificuldades em ler”.
A definição que reúne maior consenso hoje em dia é a de Critchley (1970)
trata-se de uma perturbação que se manifesta na dificuldade em aprender a ler, apesar de o ensino ser convencional, a inteligência adequada, e as oportunidades socioculturais suficientes. Deve-se a uma incapacidade cognitiva fundamental, freqüentemente de origem constitucional.
DIS – distúrbio
LEXIA – (do latim) leitura; (do grego) linguagem
DISLEXIA – dificuldades na leitura e escrita
A definição mais usada na atualidade é a do Comitê de Abril de 1994, da International Dyslexia Association - IDA, que diz:
Dislexia é um dos muitos distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio específico da linguagem, de origem constitucional, caracterizado pela dificuldade de decodificar palavras simples. Mostra uma insuficiência no processo fonológico. Estas dificuldades de decodificar palavras simples não são esperadas em relação a idade. Apesar de submetida a instrução convencional, adequada inteligência, oportunidade sócio-cultural e não possuir distúrbios cognitivos e sensoriais fundamentais, a criança falha no processo de aquisição da linguagem. A dislexia é apresentada em várias formas de dificuldade com as diferentes formas de linguagem, freqüentemente incluídas problemas de leitura, em aquisição e capacidade de escrever e soletrar.
"A DISLEXIA é uma função, um problema, um transtorno, uma deficiência, um distúrbio. Refere a uma dificuldade de aprendizagem relacionada à linguagem."
"A DISLEXIA é um transtorno, uma perturbação, uma dificuldade estável, isto é duradoura ou parcial e, portanto, temporária, do processo de leitura que se manifesta na insuficiência para assimilar os símbolos gráficos da linguagem."
“A DISLEXIA não é uma doença, portanto não podemos falar em cura. Ela e congênita e hereditária, e seus sintomas podem ser identificados logo na pré-escola.”
“A DISLEXIA é uma dificuldade de aprendizagem na qual a capacidade de uma criança para ler ou escrever está abaixo de seu nível de inteligência."
"A DISLEXIA não é uma doença, e um distúrbio de aprendizagem congênito que interfere de forma significativa na integração dos símbolos lingüísticos e perceptivos. Acomete mais o sexo masculino que o feminino, numa proporção de 3 para 1."
"A DISLEXIA é caracterizada por dificuldades na leitura, escrita (ortografia e semântica), matemática (geometria, cáIculo), atraso na aquisição da linguagem, comprometimento da discriminação visual e auditiva e da memória seqüencial.”
Dislexia é um tipo de distúrbio de leitura que provoca uma dificuldade específica na aprendizagem da identificação dos símbolos gráficos, embora a criança apresente inteligência normal, integridade sensorial e receba estimulação e ensino adequados.
O que é realmente a dislexia
Normalmente, quando se ouve a palavra dislexia pensa-se apenas em problemas que crianças estariam tendo na escola com leitura, escrita, ortografia e matemática. Alguns associam-na apenas a troca de letras ou palavras, outros à lentidão de aprendizagem. Quase todos a consideram uma forma de transtorno da aprendizagem. Na verdade, isso é apenas um aspecto da dislexia. Quanto ao lado “positivo” da dislexia são encontradas pessoas que são e foram considerados gênios, apesar de serem disléxicos.
A genialidade deles não ocorreu apesar da dislexia mas por causa dela!
Ter dislexia não faz de cada disléxico um gênio, mas é bom para a auto-estima de todos os disléxicos saberem que suas mentes funcionam exatamente do mesmo modo que as mentes de grandes gênios. Também é importante saberem que o fato de terem um problema com leitura, escrita, ortografia ou matemática não significa que sejam burros ou idiotas. A mesma função mental que produz um gênio pode também produzir esses problemas. RONALD D. DAVIS / 2004
A função mental que causa a dislexia é um dom, no mais verdadeiro sentido da palavra: uma habilidade natural, um talento. Alguma coisa especial que engrandece o indivíduo.
Alguns Disléxicos Famosos
¤ Agatha Christie / Alexander Graham Bell / Alexander Pope / Albert Einstein / Amy Lowell / Anwar Sadat / Auguste Rodin
¤ Ben Johnson / Beryl Reid (atriz inglesa) / Bruce Jenner
¤ Charles Darwin / Cher (cantora) / Constantino (Rei da Grécia)
¤ Darcy Bussel / David Bailey / David Murdock / Dexter Manley / Don Stroud (ator e campeão mundial de surf) / Duncan Goodhew (campeão de natação)
¤ Francis Bacon / Franklin D. Roosevelt
¤ George Washington / George W. Bush Jr / General George Patton / greg Louganis
¤ Hans Christian Andersen / Harrison Ford / Harry Belafonte / Harvey Xushing (pai da cirúrgia neurological moderna) / Henry Ford / Henry Winkler
¤ Jackie Stewart (piloto de corridas) / John F. Kennedy / John Lennon / John Rigby (dono do parquet temático) / Joyce Bulifant (atriz) / Júlio Cesar
¤ Keira Knightley (atriz inglesa)
¤ Lawrence Lowell / Lewis Carroll (autor) / Leslie Ash (atriz inglesa) / Lindsay Wagner / Lord Addington / Loretta Young / Leonardo Da Vinci
¤ Magic Johnson / Margaret Whitton / Margaux Hemmingway / Mark Stewart (ator / filho de Jackie Stewart) / Mark Twain / Michael Barrymore (comediante) / Michael Hesetine / Michelangelo / Muhammad Ali
¤ Napoleão Bonaparte / Nelson Rockefeller / Nicholas Brady (US Secy Treasury)
Nicholas Bush (Filho do presidente EUA) / Nicholas Parsons (Ator inglês) / Nicola Hicks (Escultora Inglesa)
¤ Oliver Reed (Ator Inglês) / Orlando Bloom (Ator Inglês)
¤ Pablo Picasso / Paul Stewart (piloto de corridaslFilho de Jackie Stewart) /Peter Scott (pintor) / Phil Harris (do Harris Queensway)
¤Quentin Tarantino
¤ Robin Williams / Richard Chamberlain / Richard Rogers (Arquiteto inglês) / Rob Nelson (Jogador de baseball profissional) /Robin Williams / Roy Castle (Ator inglês)
¤ Sarah Miles (Atriz inglesa) / Sir Joshua Reynolds / Stanley AntonotI, D.D.S. / Stephen J. Cannell / Susan Hampshire (Atriz inglesa)
¤ Ted Turner / Thomas A. Edison / Tom Cruise / Tom Smothers
¤ Vincent van Gogh
¤ Walt Disney / Winston Churchill / Walt Disney / Whoopi Goldberg / Willard Wiggins (Escultor) / William Butler Yates / Woodrow Wilson
Folha Online / 2007
As recentes gafes lingüísticas do presidente George W. Bush Jr são evidências muito concretas de urna dislexia que se severa a cada ano, a cada evento, a cada nova circunstância política. Mais recentemente, em fevereiro de 2002, durante sua visita ao Japão, em entrevista coletiva conjunta com o primeiro ¬ministro japonês Junichiro Koizumi, Bush disse "desvalorização" em vez de "deflação", o que acabou por provocar pânico no mercado de câmbios. Qual a origem dos lapsos de Bush Jr?
Os tropeços verbais de Bush não são de hoje. Ele é famoso por suas inumeráveis gafes lingüísticas em matéria de política internacional. Decerto, isso não ocorre somente por ignorância ou desinformação, mas por ser portador de dislexia. Durante sua campanha à Presidência dos EUA, seus lapsos gramaticais e, principalmente, ao inventar, nos discursos de improviso, palavras inusitadas e estranhas ao idioma inglês, tal comportamento lingüístico indicava, para os opositores, um despreparo para assumir a presidência dos EUA. Todavia, a dislexia de Bush, herança familiar, não compromete nem comprometeu, até agora, sua inteligência e capacidade de liderar o País. FOLHA ONLINE / 2007
Bush é um disléxico com visão de mundo, e ficará na história, não apenas pelos atentados de 11 de setembro, mas também como um homem que faz a auto-anulação de seus erros, ao admitir e rir dos lapsos de linguagem. Quando erra, quando troca 1etra ou palavra, não pensa em duas vezes para, em seguida, pedir desculpas ao interlocutor pela troca involuntária e dá um sorriso franco, próprio de quem aprendeu a vencer os próprios limites de linguagem verbal. O que acontece com Bush aconteceu com figuras proeminentes como Leonardo Da Vinci, William Butler Yeats, Albert Einstein e também o ex¬-governador de Nova York David Rockefeller.
Ao que tudo indica a dislexia de Bush é hereditária. O avô de George Bush Jr, Prescott Bush, era disléxico. As dificuldades de leitura também podem ser constatadas no seu irmão Neil, que já recebeu um diagnóstico de dislexia. Da família, Bush Jr, em que pese ter consciência do problema lingüístico, ainda não se submeteu aos testes de diagnóstico de dislexia. Sua mãe, Barbara, porém, tem participado de várias campanhas sobre o esclarecimento dessa síndrome e admite, publicamente, as dificuldades de leitura e de compreensão de textos nos demais membros da família.
No caso da troca de "deflação" por "desvalorização", esta clara manifestação de comportamento disléxico recebe, no âmbito dos estudos sobre as dificuldades de leitura, o nome de paralexia verbal. A paralexia designa o comportamento de um paciente que substitui uma palavra por outra quando lê ou escreve. O disléxico escuta bem, mas não pode processar rapidamente todos os sons de uma palavra. Desse modo, quando repete uma palavra que escutou o faz omitindo ou alterando o lugar ou contexto dos sons da palavra. Por isso, em geral, falta ao disléxico, a consciência fonológica.
Por ser um presidente de uma grande potência mundial, o comportamento disléxico de Bush tem sido desastroso não só para a sua própria imagem de estadista, objeto de muita chacota por parte de políticos e jornalistas do mundo inteiro, mas compromete, por vezes, a paz mundial, quando apresenta sinais de beligerância, cansaço, stress ou humor visceral, como os verificados na declaração de guerra ao Afeganistão.
Uma outra compreensão de sua dislexia pode nos levar a afirmar que suas dificuldades verbais revelam seu desconhecimento para tratar com a etnolinguistica do mundo ocidental e oriental, o que certamente, justificaria que, em muitos de seus discursos, chame "kosovarianos" aos kosovares, "grecianos" aos gregos, "timorianos" aos timorenses. Ou, ainda, que confunda, Eslováquia por Eslovênia e aos talibães com um grupo de rock.
Mais recentemente, termos como "declaração de guerra" e "eixo do mal", sem o peso da carga semântica que a mídia parece supor, indicam o risco, sempre iminente, de confronto mundial.
Em todo caso, consciente de suas limitações no plano da linguagem verbal, Bush Jr tem se comportado como um "ator de discurso memorizado" e tem procurado, outrossim, convencer seus eleitores de que pode ser Presidente não apenas com palavras, mas com gestos. Eis então a explicação porque um disléxico conseguiu chegar à Presidência dos EUA: desenvolveu a capacidade de gostar das pessoas, de ouvir e de estar sempre próximo do povo.
Nem todos os disléxicos desenvolvem os mesmos dons, mas eles certamente possuem algumas funções mentais em comum. Aqui estão as habilidades básicas de que todos os disléxicos compartilham segundo Ronald D. Davis / 2004
1. São capazes de utilizar seu dom mental para alterar ou criar percepções (a habilidade primária).
2. São altamente conscientes do meio ambiente.
3. São mais curiosos que a média.
4. Pensam principalmente em imagens, em vez de palavras.
5. São altamente intuitivos e capazes de muitos insights.
6. Pensam e percebem de forma multidimensional (utilizando todos os sentidos).
7. Podem vivenciar o pensamento como realidade.
8. São capazes de criar imagens muito vívidas.
Estas oito habilidades básicas, se não forem suprimidas, anuladas ou destruídas pelos pais ou pelo processo educacional, resultarão em duas características: inteligência acima do normal e extraordinária criatividade. A partir daí, o verdadeiro dom da dislexia pode emergir – o dom da mestria.
Antes que um disléxico possa perceber e apreciar plenamente o lado positivo da dislexia, deve-se considerar seu lado negativo. Isto não quer dizer que o lado positivo não possa vir à tona enquanto os problemas ainda existirem. O dom está sempre presente, mesmo que não seja reconhecido. De fato, muitos disléxicos adultos usam o lado positivo da dislexia em suas carreiras sem se darem conta. Acreditam apenas que têm um jeito para fazer determinadas coisas, sem perceberem que seu talento especial vem das mesmas funções mentais que os impedem de ler e escrever muito bem.
As dificuldades mais comuns da dislexia ocorrem na leitura, na escrita, na ortografia ou na matemática, mas também aparecem em muitas outras áreas. Cada caso é diferente do outro, porque a dislexia é uma condição autogerada. Não existem dois disléxicos que a tenham desenvolvido exatamente da mesma maneira. RONALD D. DAVIS / 2004
A dislexia é o resultado de um talento perceptivo. Em algumas situações, ele pode se tornar uma desvantagem. O individuo não percebe que isso acontece, porque o uso desse talento tornou-se parte integrante do seu processo de pensamento.
A palavra dislexia foi o primeiro termo genérico utilizado para designar vários problemas de aprendizagem. Em seu devido tempo, com o intuito de descrever as diferentes formas de transtornos de aprendizagem, esses problemas foram subdivididos e classificados. Por esta razão podemos chamar a dislexia de “A Mãe dos Transtornos de Aprendizagem”. RONALD D. DAVIS / 2004
Originalmente, os pesquisadores acreditavam que os disléxicos teriam sofrido algum tipo de lesão cerebral ou nervosa, ou seriam portadores de uma disfunção congênita. Em qualquer um dos casos, haveria uma interferência nos processos mentais necessários à leitura.
No fim da década de 1920, o doutor Samuel Torrey Orton redefiniu a dislexia como uma “lateralização cruzada do cérebro”. Isto significava que o lado esquerdo do cérebro estaria fazendo o que o lado direito supostamente deveria fazer, e o lado direito estaria fazendo o trabalho do lado esquerdo. Contudo, isto era apenas uma teoria e, em pouco tempo, o doutor Orton concluiu que estava incorreta. Ele apresentou então uma segunda teoria, afirmando tratar-se de uma “dominância hemisférica mista”, o que por sua vez significava que o lado esquerdo do cérebro estaria às vezes fazendo o que o lado direito deveria fazer, e vice-versa.
Existem hoje muitas teorias diferentes sobre o que é a dislexia e sobre suas causas. A maior parte dessas teorias foi formulada para explicar os sintomas ou as características da dislexia – e por que o transtorno ocorreu.
Sob diferentes perspectivas, serão apresentadas na seqüência três grandes abordagens que buscam explicar o que entendem por dislexia: a organicista, a cognitivista ou instrumental e a psicoafetiva. GISELLE MASSI / 2007
A visão organicista é representada pela área médica, cujas explicações parecem multiplicar-se de acordo com cada especialidade da medicina disposta a esclarecer questões escolares relacionadas ao processo de apropriação da linguagem escrita. Além disso, é comum, no interior de uma mesma especialidade, verificar posicionamentos divergentes para o que tem sido considerado dislexia. No âmbito da própria neurologia – primeira especialista médica que buscou fundamentar e categorizar fatos relacionados à aprendizagem da escrita como um distúrbio – não se encontra uma posição única.
A tentativa de explicitar tais fatos com base no mesmo entendimento clínico – localizacionista – utilizado para esclarecer a afasia foi questionada por Orton, em 1925. Para esse neurologista americano, distúrbios de aprendizagem da escrita apresentados por uma criança em fase de alfabetização deveriam ser compreendidos de maneira diferente daqueles transtornos adquiridos e manifestados pelo adulto. Após examinar cerca de três mil crianças que apresentavam dificuldades relativas a leitura e a ortografia, Orton afirmou que distúrbios de aprendizagem da língua escrita, na infância, estariam relacionados a um defeito no reconhecimento da orientação das letras e de sua seqüência nas palavras, ressaltando que, apesar de apresentarem problemas na escrita, a percepção visual e a orientação espacial dos sujeitos que examinou mostravam-se intactas. No seu entendimento, esse defeito era decorrente de uma falha no desenvolvimento da dominância hemisférica cerebral.
Por isso, propôs o uso do termo "estrefossimbolia" – que significa simbolização distorcida – acentuando uma característica que julgava fundamental: a produção de letras invertidas. Baseado nessa suposição, Orton buscou substituir a denominação anteriormente dada, "cegueira verbal congênita", pois, segundo seu ponto de vista, tratava-se de uma anomalia de predomínio hemisférico e não de uma lesão cerebral focal.
¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬ Apesar de influenciar uma série de pesquisas, o estudo proposto por Orton vem sendo substituído por outras hipóteses, com explicações consideravelmente divergentes entre si. Condemarin e Blomquist (1986); por exemplo, citam pesquisas que buscam explicar dificuldades de aprendizagem da escrita em função de fatores hereditários. Considerando determinada amostra, essas pesquisas afirmam que aproximadamente 80% dos sujeitos analisados tinham parentes - pais, avós, tios, irmãos, entre outros - que também relatavam tais dificuldades.
Entretanto, a base desses estudos vem sendo criticada. Segundo Pamplona-Moraes (1997), pesquisadores afirmam que a hipótese genética encerra uma falácia lógica, pois, ao estudar questões relativas à linguagem escrita em crianças di¬tas disléxicas e seus familiares, visto que tanto a criança como seus parentes compartilham do mesmo ambiente social, não é possível estabelecer o que é herdado geneticamente e o que é aprendido socialmente.
Distanciados da proposta genética, mas compartilhando de mesma visão biológica determinista, Smith e Carrigan (1959) propõem que a chamada dislexia pode ser decorrente de uma irregularidade no equilíbrio da química cerebral, ocasionada por excesso ou carência do composto acetilcoli¬na-colinesterase, no cérebro. Segundo esses autores, tal peculiaridade poderia ser explicada em termos de enfermidades metabólicas, desnutrição, entre outras.
Ainda na ótica organicista, distúrbios do movimento ocular poderiam explicar os chamados sintomas disléxicos na infância. De acordo com Hout (2001b), estudos oftalmológicos, ¬ao comparar o movimento ocular de crianças diagnosticadas como disléxicas com crianças ditas normais, concluíram que irregularidades na mobilidade dos olhos poderiam explicar ¬dificuldades no aprendizado da leitura e escrita. No entanto, pesquisas similares que utilizaram metodologia análoga não confirmaram a conclusão desses estudos.
Assim, acompanhamos explicações neurológicas, genéticas, metabólicas, oftalmológicas, as quais procuram associar questões referentes à apropriação da escrita com defasagens ¬orgânicas. Essas explicações denunciam um modelo de ciência que, ao estudar o ser humano, conforma-se aos preceitos das ciências naturais fazendo atividades humanas serem percebidas como coisas e retificadas como propriedades localizadas no organismo de indivíduos.
A busca, por exemplo, de explicação genética para questões da apropriação da escrita denuncia o uso de visão biológica determinista para justificar características de atividades humanas como naturais, biologicamente dadas. Questões escolares são tratadas como de natureza orgânica – nesse caso, seriam causadas por genes –, encobrindo diferenças humanas nos pIanos sociais e individuais. As desigualdades sociais e as diversidades no desempenho individual da criança são, nessa visão, interpretadas por meio de critérios genéticos – inevitáveis e imutáveis. Essa interpretação faz as análises do cotidiano escolar e do processo de apropriação do objeto escrito permanecerem restritas ao signo da patologização individual.
De qualquer forma, apesar de a ótica organicista ter apresentado uma série de hipóteses na tentativa de explicitar as causas da dislexia como um distúrbio específico de aprendizagem, ela não chegou a resultados conclusivos. As explicações causais apontadas por essa ótica não ultrapassaram o plano de suposições contraditórias entre si.
A perspectiva cognitivista ou instrumental
Além da visão organicista, dificuldades relacionadas à aprendizagem da escrita também foram enfocadas com base em critérios ditos cognitivistas ou instrumentais. Esse enfoque desenvolveu-se, segundo Condemarin e Blomquist (1986), principalmente a partir dos anos 1950 por um grupo de médicos e psicólogos europeus. Embora esse enfoque tenha procurado afastar-se de pressupostos exclusivamente organicistas, acabou por filiar-se a eles à medida que buscou explicar aquelas dificuldades como sendo decorrentes de disfunções mentais ou imaturidades relacionadas ao sistema nervoso central.
Na visão cognitivista, os termos "disfunção" e "imaturidade" contrapõem-se à noção de lesão e malformação. Passam a ser usados para descrever função cerebral supostamente anormal, a qual poderia acarretar desordens cognitivas – também chamadas de instrumentais -, que, por sua vez, interfeririam negativamente na aprendizagem da escrita. Portanto, nessa abordagem, deficiências cognitivas – decorrentes de disfunções1 cerebrais – seriam tomadas como causa da chamada dislexia e poderiam afetar diferentes processos de construção do objeto escrito,
tais como: a percepção visual, a percepção auditiva, a memória e a estruturação espaço-temporal.
Para representantes da perspectiva cognitivista, além da dificuldade para aprender a ler e a escrever, a criança considerada disléxica geralmente apresentaria outras características, descritas como problemas relacionados ao esquema corporal e à sua imagem. Elas teriam dificuldades quanto à noção de direita-esquerda, transtornos espaço-temporais, distúrbios do padrão motor – o qual influenciaria na despreza manual –, perturbações analítico-sintéticas, entre outras. Nesse contexto, Fonseca (1995) propõe que desordens práxicas ou psicomotoras poderiam ocasionar problemas na aprendizagem da leitura e da escrita. Na sua opinião, a integração cerebral de subsistemas psicomotrizes faria emergir movimentos responsáveis pela escrita de uma letra ou pela emissão oral de uma palavra, sugerindo que dificuldades próprias da dislexia poderiam ser tomadas como conseqüências de desordens psicomotoras.
Entretanto, estudos realizados sob a perspectiva cognitivista são incipientes e carecem de maiores investigações. Para Vellutino (1982), não é possível afirmar que problemas de esquema corporal, transtornos de memória, desestruturações espaço-temporais, aspectos psicomotores, entre outros, sejam peculiares a crianças tomadas como disléxicas. Eles podem ser encontrados em qualquer sujeito, ou seja, ¬em aprendizes considerados portadores de dificuldades para ¬ler e escrever e, também, em alunos que seguem o fluxo previsto pela escola. Concordando com Vellutino, García (1998) afirma que essa abordagem não se sustenta, pelo fato ¬de se assentar em explicações distantes das especificidades da linguagem escrita.
Associados ao enfoque cognitivista, outros autores – pautados na explicação de uma função anormal do cérebro – propõem que dificuldades de aprendizagem da escrita poderiam ser explicadas com base em disfunção cerebral mínima. Conforme Selikowitz (2001), tal disfunção seria caracterizada em termos de anormalidades de neurotrans¬missores – elementos químicos naturais que transmitem mensagens entre as células cerebrais. Essas anormalidades poderiam originar distúrbios de comportamento infantil descritos como parte de uma síndrome hipercinética que, por sua vez, ocasionaria dificuldades de aprendizagem.
Porém, como todas as hipóteses apresentadas, essa explicação não passa de uma suposição. Aliás, vale ressaltar que, segundo Selikowitz, a própria noção de disfunção cerebral mínima vem sendo criticada, sobretudo pelo fato de ter despertado a possibilidade de serem utilizados tratamentos medicamentosos para corrigir uma hipotética desordem química no cérebro.
Nesse mesmo contexto cognitivista, identifica-se ainda autores como L. Giordano e L. H. Giordano (1973) e Critchley (1974), os quais defendem a opinião de que crianças consideradas disléxicas poderiam ser vítimas de um retardo na maturação cerebral. Nessa visão, problemas de ordem ma¬turacional poderiam acarretar deficiências em certas funções corticais, as quais ocasionariam limitações relacionadas à aprendizagem e, assim, explicariam a origem das dificuldades relativas à aquisição da escrita. Contudo, tanto a hipótese da disfunção cerebral mínima como a que defende imaturidade neurológica são, de acordo com Grégoire e Piérart (1997), frágeis, pois ambas, sem esclarecimento etiológico, procuram sustentar suas opiniões com base na coleta de dados comportamentais, elaborada por meio de exames e testes aplicados em criança ditas disléxicas.
Fazendo uma breve analise acerca dos dois enfoques apresentados – a visão organicista e a perspectiva cognitivista ou instrumental –, percebe-se que se pautam no mesmo princípio. Os dois buscam explicações para aquilo que entendem como dislexia com base em uma lesão (na ótica organicista) ou em uma disfunção ou imaturidade (no enfoque instrumental ou cognitivista) localizada no sujeito, isto é, em questões intrínsecas a ele. Essas duas abordagens, embora com roupagens aparentemente distintas, procuram, sob o domínio das ciências naturais, explicar o que consideram um distúrbio de aprendizagem apoiadas em suposições acerca do aparato biológico da criança. Patologizam questões referentes à apropriação da linguagem escrita e ocultam a própria criança, uma vez que desconsideram a sua história, o seu saber, o seu dizer.
Em um contexto explicitamente lacunar, a posição neurobiológica – assumida pelas abordagens organicista e cognitivista – parece conviver, ainda, com uma visão psicoafetiva que, sem se opor aos demais enfoques, sugere que a dislexia seja tomada como decorrente de um problema intimamente relacionado à personalidade da criança.
A visão psicoafetiva
A abordagem psicoafetiva procura explicar o que toma por problemas na aquisição da escrita com base em perturbações afetivas da criança. Pautados nesta abordagem, psicólogos clínicos buscaram explicar dificuldades na aprendizagem da linguagem escrita em função de problemas emocionais. Para Serrano (2001), por exemplo, transtornos de aprendizagem podem estar associados a três sintomas psicopatológicos: à síndrome depressiva, aos estados de ansiedade e aos transtornos comportamentais.
A depressão infantil perturba, segundo o autor, o processo de aprendizagem, porque a criança nesse estado tem sua atenção e concentração reduzidas; além disso, seu prazer em aprender também é diminuído. Os estados de insegurança e ansiedade – que geralmente coexistem com manifestações depressivas – podem estar associados ao temor do fracasso ante a aquisição da escrita, interferindo na aprendizagem dessa modalidade de linguagem e dificultando o desenvolvimento dos processos de atenção e memória.
A incidência de transtornos de comportamento, vinculados a dificuldades de aprendizagem e a atitudes anti-sociais, é bastante freqüente, segundo Serrano. De acordo com o autor, a criança disléxica mostra-se impulsiva e se enfurece com facilidade, manifestando pouca capacidade para lidar com limites e frustrações. No entanto, adverte que essas atitudes podem estar relacionadas ao posicionamento assumido pelos familiares – que interpretam as dificuldades escolares da criança como sinais de "má vontade" ou "preguiça". Nesse sentido, Serrano afirma que fatores emocionais podem estar associados ao que se chama de dislexia. Essa associação entre dificuldades de leitura e escrita com questões de ordem emocional parece ser um consenso na literatura. Todavia, convém mencionar que tais questões, conforme Pamplona-Moraes (1997), geralmente apresentadas por crianças ditas disléxicas, não devem ser tomadas como aspectos que determinam o que se chama de dislexia, mas, ao contrario, como resultado dela.
Nesse ponto, ressalta-se que a análise do processo de apropriação da escrita elaborada sob a perspectiva psicoafetiva também se pauta em aspectos que se referem ao próprio sujeito-aprendiz, assim como sob as abordagens organicista e cognitivista. Embora o enfoque não seja o biológico, a compreensão de fatos relacionados ao contexto social permanece projetada no aluno, na sua personalidade, na sua família.
A escola, como espaço onde circulam discursos, permanece isenta, pois não se analisa o papel decisivo que ela assume na constituição da subjetividade das crianças e no percurso percorrido na apropriação da escrita.
Considerando que a subjetividade infantil é marcada por efeitos de sentidos discursivos, ao ser apontada como alguém que esta fracassando, entende-se que qualquer criança pode apresentar baixa auto-estima e pouco interesse por essa modalidade de linguagem, principalmente quando a instituição escolar a anuncia como incapaz ou impossibilitada em função de hipóteses e "erros" que, acompanham o processo de apropriação da escrita.
Por isso, diante de um cenário etiológico tão diverso e contraditório, antes de conceber a criança como portadora de um distúrbio, é imprescindível compreender o trajeto trilhado por ela para se apropriar da linguagem escrita bem como os efeitos de práticas discursivas que circundam esse trajeto. Longe dessa compreensão, desprovida de rigor explicativo, a chamada dislexia vem sendo tomada como uma entidade nosográfica que pode estar associada a múltiplas e diferentes desordens – lesão, imaturidade ou disfunção cerebral, anomalia de predomínio hemisférico, transtornos genéticos, alterações metabólicas, nutricionais, oftalmológicas ou emocionais. Essas desordens, de maneira contraditória, são apontadas pela literatura para tentar justificar a existência da suposta patologia como algo inerente ao aprendiz da escrita.
Nesse caminho, apesar de situar-se em um campo conceitual indefinido e arbitrário, a dislexia foi reconhecida como patologia por órgãos oficiais da Europa e dos Estados Unidos, conforme apresentado a seguir.
A DISLEXIA (IN)DEFINIDA POR ÓRGÃOS OFICIAIS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
De acordo com Hout (2001a), a World Federation of Neurology, na Europa, definiu a dislexia como um transtorno da aprendizagem da língua escrita que ocorre apesar de uma inteligência normal, da ausência de problemas sensoriais ou neurológicos, de instrução escolar considerada adequada e de oportunidades socioculturais suficientes. Trata-se de uma definição formulada em função de critérios excludentes: um conceito que destaca os fatores causais que não podem determinar ou explicar a chamada dislexia.
Nos Estados Unidos, o reconhecimento da dislexia como um transtorno específico de aprendizagem da linguagem escrita foi aprovado, em 1960, pelo Congresso Nacional daquele país. Segundo Bolaffi (1994), a importância atribuída ao diagnóstico neurológico e um representativo número de crianças diagnosticadas como disléxicas provocaram a criação de leis que garantem a elas uma educação especial, em classes separadas das crianças consideradas normais.
Em 1978, foi sancionada uma lei3 que confere direito à educação para todas as crianças portadoras de deficiências que tece comentários a respeito da dislexia. Tais comentários se fundamentam em um desnível significativo entre as possibilidades intelectuais retratadas pelo quociente de inteligência (QI) da criança ou do adolescente e as suas realizações escolares no âmbito da escrita. Em outras palavras, segundo tais comentários, a pessoa dita disléxica apresenta um desempenho escolar aquém de seu potencial intelectual.
Essa mesma lei define que um dos principais critérios para chegar a um diagnóstico preciso de dislexia é a exclusão de fenômenos causais – transtornos de percepção sensorial, transtornos psiquiátricos primários, patologias neurológicas graves, oportunidade escolar insuficiente e falta de estímulos socioculturais – que poderiam explicar o desnível entre a capacidade intelectual da criança e sua possibilidade de ler e escrever.
Portanto, nos Estados Unidos, os critérios para definir a dislexia são similares aos utilizados pela World Federation of ¬Neurology, na Europa, ou seja, são critérios fundamentados em fatores excludentes. Nesse sentido, salienta-se, uma vez mais, o fato de a chamada dislexia ser considerada uma perturbação caracterizada pela eliminação de fatores capazes de determinar sua causa, isto é, uma perturbação no processo de apropriação da escrita que se caracteriza por não contar com qualquer explicação causal capaz de justificá-la.
Convém ressaltar ainda que a lei norte-americana, ao mencionar um desnivelamento entre QI e capacidade para ler e escrever, não esclarece o que entende por tal desnivelamento, tampouco explica o conceito de QI. Apesar de escores de testes que determinam o quociente de inteligência serem amplamente utilizados e tomados como principal critério para indicar a capacidade intelectual de uma criança, tais escores não garantem uma distinção clara entre deficiência mental, normalidade e superdotação.
De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia (ABD)4, em 1994, foi divulgada pela International Dyslexia Association5 a definição que vem sendo utilizada:
Dislexia é um dos muitos distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio específico da linguagem, de origem constitucional, caracterizado pela dificuldade em decodificar palavras simples. Mostra uma insuficiência no processo fonológico. Essas dificuldades de decodificar palavras simples não são esperadas em relação à idade. Apesar de submetida a instrução convencionaI, adequada inteligência, oportunidade sociocultural e não possuir distúrbios cognitivos e sensoriais fundamentais, a criança falha no processo de aquisição da linguagem. A dislexia apresentada em várias formas de dificuldades com diferentes formas de linguagem, freqüentemente incluídos problemas de leitura, em aquisição e capacidade de escrever e soletrar.
Cabe esclarecer que a Associação Brasileira de Dislexia, além de exercer influência sobre estudos, pesquisas e atividades profissionais envolvidas com a temática em todo o país, está vinculada a International Dyslexia Association e compartilha dos mesmos pressupostos dessa organização, que goza de grande prestígio em todos os estados norte-americanos e em outros países. Portanto, o conceito divulgado por essas instituições é amplamente aceito e representativo da visão vigente em torno do que se entende por dislexia.
Sobre a definição em si, a International Dyslexia Associa¬tion – pela Associação Brasileira de Dislexia – deixa claro que entende a linguagem como um código, ao buscar caracterizar a dislexia como um distúrbio especificamente de ordem lingüística. Ela ressalta que a dificuldade da criança estaria relacionada à codificação e decodificação de palavras simples.
Porém, essa visão que concebe a Iíngua como um código – organizado em função de um amontoado de sons, letras, sílabas e palavras isoladas de um contexto significativo – e o aprendiz como um ser passivo, mero memorizador de repetições, está explicitamente pautada em uma perspectiva behaviorista. Tal perspectiva, desenvolvida fundamentalmente por Skinner (1957), torna a linguagem como comportamento verbal, produto de reforço e modelagem que o meio externo proporciona ao aprendiz, negando o papel do sujeito e desconsiderando o processo interlocutivo na construção de objetos lingüísticos.
Reinhld Berlin em 1884, foi o primeiro a introduzir o conceito de Dislexia, cuja sua definição era "condição que ocorria quando uma pessoa de inteligência normal tinha dificuldades em ler”.
A definição que reúne maior consenso hoje em dia é a de Critchley (1970)
trata-se de uma perturbação que se manifesta na dificuldade em aprender a ler, apesar de o ensino ser convencional, a inteligência adequada, e as oportunidades socioculturais suficientes. Deve-se a uma incapacidade cognitiva fundamental, freqüentemente de origem constitucional.
DIS – distúrbio
LEXIA – (do latim) leitura; (do grego) linguagem
DISLEXIA – dificuldades na leitura e escrita
A definição mais usada na atualidade é a do Comitê de Abril de 1994, da International Dyslexia Association - IDA, que diz:
Dislexia é um dos muitos distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio específico da linguagem, de origem constitucional, caracterizado pela dificuldade de decodificar palavras simples. Mostra uma insuficiência no processo fonológico. Estas dificuldades de decodificar palavras simples não são esperadas em relação a idade. Apesar de submetida a instrução convencional, adequada inteligência, oportunidade sócio-cultural e não possuir distúrbios cognitivos e sensoriais fundamentais, a criança falha no processo de aquisição da linguagem. A dislexia é apresentada em várias formas de dificuldade com as diferentes formas de linguagem, freqüentemente incluídas problemas de leitura, em aquisição e capacidade de escrever e soletrar.
"A DISLEXIA é uma função, um problema, um transtorno, uma deficiência, um distúrbio. Refere a uma dificuldade de aprendizagem relacionada à linguagem."
"A DISLEXIA é um transtorno, uma perturbação, uma dificuldade estável, isto é duradoura ou parcial e, portanto, temporária, do processo de leitura que se manifesta na insuficiência para assimilar os símbolos gráficos da linguagem."
“A DISLEXIA não é uma doença, portanto não podemos falar em cura. Ela e congênita e hereditária, e seus sintomas podem ser identificados logo na pré-escola.”
“A DISLEXIA é uma dificuldade de aprendizagem na qual a capacidade de uma criança para ler ou escrever está abaixo de seu nível de inteligência."
"A DISLEXIA não é uma doença, e um distúrbio de aprendizagem congênito que interfere de forma significativa na integração dos símbolos lingüísticos e perceptivos. Acomete mais o sexo masculino que o feminino, numa proporção de 3 para 1."
"A DISLEXIA é caracterizada por dificuldades na leitura, escrita (ortografia e semântica), matemática (geometria, cáIculo), atraso na aquisição da linguagem, comprometimento da discriminação visual e auditiva e da memória seqüencial.”
Dislexia é um tipo de distúrbio de leitura que provoca uma dificuldade específica na aprendizagem da identificação dos símbolos gráficos, embora a criança apresente inteligência normal, integridade sensorial e receba estimulação e ensino adequados.
O que é realmente a dislexia
Normalmente, quando se ouve a palavra dislexia pensa-se apenas em problemas que crianças estariam tendo na escola com leitura, escrita, ortografia e matemática. Alguns associam-na apenas a troca de letras ou palavras, outros à lentidão de aprendizagem. Quase todos a consideram uma forma de transtorno da aprendizagem. Na verdade, isso é apenas um aspecto da dislexia. Quanto ao lado “positivo” da dislexia são encontradas pessoas que são e foram considerados gênios, apesar de serem disléxicos.
A genialidade deles não ocorreu apesar da dislexia mas por causa dela!
Ter dislexia não faz de cada disléxico um gênio, mas é bom para a auto-estima de todos os disléxicos saberem que suas mentes funcionam exatamente do mesmo modo que as mentes de grandes gênios. Também é importante saberem que o fato de terem um problema com leitura, escrita, ortografia ou matemática não significa que sejam burros ou idiotas. A mesma função mental que produz um gênio pode também produzir esses problemas. RONALD D. DAVIS / 2004
A função mental que causa a dislexia é um dom, no mais verdadeiro sentido da palavra: uma habilidade natural, um talento. Alguma coisa especial que engrandece o indivíduo.
Alguns Disléxicos Famosos
¤ Agatha Christie / Alexander Graham Bell / Alexander Pope / Albert Einstein / Amy Lowell / Anwar Sadat / Auguste Rodin
¤ Ben Johnson / Beryl Reid (atriz inglesa) / Bruce Jenner
¤ Charles Darwin / Cher (cantora) / Constantino (Rei da Grécia)
¤ Darcy Bussel / David Bailey / David Murdock / Dexter Manley / Don Stroud (ator e campeão mundial de surf) / Duncan Goodhew (campeão de natação)
¤ Francis Bacon / Franklin D. Roosevelt
¤ George Washington / George W. Bush Jr / General George Patton / greg Louganis
¤ Hans Christian Andersen / Harrison Ford / Harry Belafonte / Harvey Xushing (pai da cirúrgia neurological moderna) / Henry Ford / Henry Winkler
¤ Jackie Stewart (piloto de corridas) / John F. Kennedy / John Lennon / John Rigby (dono do parquet temático) / Joyce Bulifant (atriz) / Júlio Cesar
¤ Keira Knightley (atriz inglesa)
¤ Lawrence Lowell / Lewis Carroll (autor) / Leslie Ash (atriz inglesa) / Lindsay Wagner / Lord Addington / Loretta Young / Leonardo Da Vinci
¤ Magic Johnson / Margaret Whitton / Margaux Hemmingway / Mark Stewart (ator / filho de Jackie Stewart) / Mark Twain / Michael Barrymore (comediante) / Michael Hesetine / Michelangelo / Muhammad Ali
¤ Napoleão Bonaparte / Nelson Rockefeller / Nicholas Brady (US Secy Treasury)
Nicholas Bush (Filho do presidente EUA) / Nicholas Parsons (Ator inglês) / Nicola Hicks (Escultora Inglesa)
¤ Oliver Reed (Ator Inglês) / Orlando Bloom (Ator Inglês)
¤ Pablo Picasso / Paul Stewart (piloto de corridaslFilho de Jackie Stewart) /Peter Scott (pintor) / Phil Harris (do Harris Queensway)
¤Quentin Tarantino
¤ Robin Williams / Richard Chamberlain / Richard Rogers (Arquiteto inglês) / Rob Nelson (Jogador de baseball profissional) /Robin Williams / Roy Castle (Ator inglês)
¤ Sarah Miles (Atriz inglesa) / Sir Joshua Reynolds / Stanley AntonotI, D.D.S. / Stephen J. Cannell / Susan Hampshire (Atriz inglesa)
¤ Ted Turner / Thomas A. Edison / Tom Cruise / Tom Smothers
¤ Vincent van Gogh
¤ Walt Disney / Winston Churchill / Walt Disney / Whoopi Goldberg / Willard Wiggins (Escultor) / William Butler Yates / Woodrow Wilson
Folha Online / 2007
As recentes gafes lingüísticas do presidente George W. Bush Jr são evidências muito concretas de urna dislexia que se severa a cada ano, a cada evento, a cada nova circunstância política. Mais recentemente, em fevereiro de 2002, durante sua visita ao Japão, em entrevista coletiva conjunta com o primeiro ¬ministro japonês Junichiro Koizumi, Bush disse "desvalorização" em vez de "deflação", o que acabou por provocar pânico no mercado de câmbios. Qual a origem dos lapsos de Bush Jr?
Os tropeços verbais de Bush não são de hoje. Ele é famoso por suas inumeráveis gafes lingüísticas em matéria de política internacional. Decerto, isso não ocorre somente por ignorância ou desinformação, mas por ser portador de dislexia. Durante sua campanha à Presidência dos EUA, seus lapsos gramaticais e, principalmente, ao inventar, nos discursos de improviso, palavras inusitadas e estranhas ao idioma inglês, tal comportamento lingüístico indicava, para os opositores, um despreparo para assumir a presidência dos EUA. Todavia, a dislexia de Bush, herança familiar, não compromete nem comprometeu, até agora, sua inteligência e capacidade de liderar o País. FOLHA ONLINE / 2007
Bush é um disléxico com visão de mundo, e ficará na história, não apenas pelos atentados de 11 de setembro, mas também como um homem que faz a auto-anulação de seus erros, ao admitir e rir dos lapsos de linguagem. Quando erra, quando troca 1etra ou palavra, não pensa em duas vezes para, em seguida, pedir desculpas ao interlocutor pela troca involuntária e dá um sorriso franco, próprio de quem aprendeu a vencer os próprios limites de linguagem verbal. O que acontece com Bush aconteceu com figuras proeminentes como Leonardo Da Vinci, William Butler Yeats, Albert Einstein e também o ex¬-governador de Nova York David Rockefeller.
Ao que tudo indica a dislexia de Bush é hereditária. O avô de George Bush Jr, Prescott Bush, era disléxico. As dificuldades de leitura também podem ser constatadas no seu irmão Neil, que já recebeu um diagnóstico de dislexia. Da família, Bush Jr, em que pese ter consciência do problema lingüístico, ainda não se submeteu aos testes de diagnóstico de dislexia. Sua mãe, Barbara, porém, tem participado de várias campanhas sobre o esclarecimento dessa síndrome e admite, publicamente, as dificuldades de leitura e de compreensão de textos nos demais membros da família.
No caso da troca de "deflação" por "desvalorização", esta clara manifestação de comportamento disléxico recebe, no âmbito dos estudos sobre as dificuldades de leitura, o nome de paralexia verbal. A paralexia designa o comportamento de um paciente que substitui uma palavra por outra quando lê ou escreve. O disléxico escuta bem, mas não pode processar rapidamente todos os sons de uma palavra. Desse modo, quando repete uma palavra que escutou o faz omitindo ou alterando o lugar ou contexto dos sons da palavra. Por isso, em geral, falta ao disléxico, a consciência fonológica.
Por ser um presidente de uma grande potência mundial, o comportamento disléxico de Bush tem sido desastroso não só para a sua própria imagem de estadista, objeto de muita chacota por parte de políticos e jornalistas do mundo inteiro, mas compromete, por vezes, a paz mundial, quando apresenta sinais de beligerância, cansaço, stress ou humor visceral, como os verificados na declaração de guerra ao Afeganistão.
Uma outra compreensão de sua dislexia pode nos levar a afirmar que suas dificuldades verbais revelam seu desconhecimento para tratar com a etnolinguistica do mundo ocidental e oriental, o que certamente, justificaria que, em muitos de seus discursos, chame "kosovarianos" aos kosovares, "grecianos" aos gregos, "timorianos" aos timorenses. Ou, ainda, que confunda, Eslováquia por Eslovênia e aos talibães com um grupo de rock.
Mais recentemente, termos como "declaração de guerra" e "eixo do mal", sem o peso da carga semântica que a mídia parece supor, indicam o risco, sempre iminente, de confronto mundial.
Em todo caso, consciente de suas limitações no plano da linguagem verbal, Bush Jr tem se comportado como um "ator de discurso memorizado" e tem procurado, outrossim, convencer seus eleitores de que pode ser Presidente não apenas com palavras, mas com gestos. Eis então a explicação porque um disléxico conseguiu chegar à Presidência dos EUA: desenvolveu a capacidade de gostar das pessoas, de ouvir e de estar sempre próximo do povo.
Nem todos os disléxicos desenvolvem os mesmos dons, mas eles certamente possuem algumas funções mentais em comum. Aqui estão as habilidades básicas de que todos os disléxicos compartilham segundo Ronald D. Davis / 2004
1. São capazes de utilizar seu dom mental para alterar ou criar percepções (a habilidade primária).
2. São altamente conscientes do meio ambiente.
3. São mais curiosos que a média.
4. Pensam principalmente em imagens, em vez de palavras.
5. São altamente intuitivos e capazes de muitos insights.
6. Pensam e percebem de forma multidimensional (utilizando todos os sentidos).
7. Podem vivenciar o pensamento como realidade.
8. São capazes de criar imagens muito vívidas.
Estas oito habilidades básicas, se não forem suprimidas, anuladas ou destruídas pelos pais ou pelo processo educacional, resultarão em duas características: inteligência acima do normal e extraordinária criatividade. A partir daí, o verdadeiro dom da dislexia pode emergir – o dom da mestria.
Antes que um disléxico possa perceber e apreciar plenamente o lado positivo da dislexia, deve-se considerar seu lado negativo. Isto não quer dizer que o lado positivo não possa vir à tona enquanto os problemas ainda existirem. O dom está sempre presente, mesmo que não seja reconhecido. De fato, muitos disléxicos adultos usam o lado positivo da dislexia em suas carreiras sem se darem conta. Acreditam apenas que têm um jeito para fazer determinadas coisas, sem perceberem que seu talento especial vem das mesmas funções mentais que os impedem de ler e escrever muito bem.
As dificuldades mais comuns da dislexia ocorrem na leitura, na escrita, na ortografia ou na matemática, mas também aparecem em muitas outras áreas. Cada caso é diferente do outro, porque a dislexia é uma condição autogerada. Não existem dois disléxicos que a tenham desenvolvido exatamente da mesma maneira. RONALD D. DAVIS / 2004
A dislexia é o resultado de um talento perceptivo. Em algumas situações, ele pode se tornar uma desvantagem. O individuo não percebe que isso acontece, porque o uso desse talento tornou-se parte integrante do seu processo de pensamento.
A palavra dislexia foi o primeiro termo genérico utilizado para designar vários problemas de aprendizagem. Em seu devido tempo, com o intuito de descrever as diferentes formas de transtornos de aprendizagem, esses problemas foram subdivididos e classificados. Por esta razão podemos chamar a dislexia de “A Mãe dos Transtornos de Aprendizagem”. RONALD D. DAVIS / 2004
Originalmente, os pesquisadores acreditavam que os disléxicos teriam sofrido algum tipo de lesão cerebral ou nervosa, ou seriam portadores de uma disfunção congênita. Em qualquer um dos casos, haveria uma interferência nos processos mentais necessários à leitura.
No fim da década de 1920, o doutor Samuel Torrey Orton redefiniu a dislexia como uma “lateralização cruzada do cérebro”. Isto significava que o lado esquerdo do cérebro estaria fazendo o que o lado direito supostamente deveria fazer, e o lado direito estaria fazendo o trabalho do lado esquerdo. Contudo, isto era apenas uma teoria e, em pouco tempo, o doutor Orton concluiu que estava incorreta. Ele apresentou então uma segunda teoria, afirmando tratar-se de uma “dominância hemisférica mista”, o que por sua vez significava que o lado esquerdo do cérebro estaria às vezes fazendo o que o lado direito deveria fazer, e vice-versa.
Existem hoje muitas teorias diferentes sobre o que é a dislexia e sobre suas causas. A maior parte dessas teorias foi formulada para explicar os sintomas ou as características da dislexia – e por que o transtorno ocorreu.
Sob diferentes perspectivas, serão apresentadas na seqüência três grandes abordagens que buscam explicar o que entendem por dislexia: a organicista, a cognitivista ou instrumental e a psicoafetiva. GISELLE MASSI / 2007
A visão organicista é representada pela área médica, cujas explicações parecem multiplicar-se de acordo com cada especialidade da medicina disposta a esclarecer questões escolares relacionadas ao processo de apropriação da linguagem escrita. Além disso, é comum, no interior de uma mesma especialidade, verificar posicionamentos divergentes para o que tem sido considerado dislexia. No âmbito da própria neurologia – primeira especialista médica que buscou fundamentar e categorizar fatos relacionados à aprendizagem da escrita como um distúrbio – não se encontra uma posição única.
A tentativa de explicitar tais fatos com base no mesmo entendimento clínico – localizacionista – utilizado para esclarecer a afasia foi questionada por Orton, em 1925. Para esse neurologista americano, distúrbios de aprendizagem da escrita apresentados por uma criança em fase de alfabetização deveriam ser compreendidos de maneira diferente daqueles transtornos adquiridos e manifestados pelo adulto. Após examinar cerca de três mil crianças que apresentavam dificuldades relativas a leitura e a ortografia, Orton afirmou que distúrbios de aprendizagem da língua escrita, na infância, estariam relacionados a um defeito no reconhecimento da orientação das letras e de sua seqüência nas palavras, ressaltando que, apesar de apresentarem problemas na escrita, a percepção visual e a orientação espacial dos sujeitos que examinou mostravam-se intactas. No seu entendimento, esse defeito era decorrente de uma falha no desenvolvimento da dominância hemisférica cerebral.
Por isso, propôs o uso do termo "estrefossimbolia" – que significa simbolização distorcida – acentuando uma característica que julgava fundamental: a produção de letras invertidas. Baseado nessa suposição, Orton buscou substituir a denominação anteriormente dada, "cegueira verbal congênita", pois, segundo seu ponto de vista, tratava-se de uma anomalia de predomínio hemisférico e não de uma lesão cerebral focal.
¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬ Apesar de influenciar uma série de pesquisas, o estudo proposto por Orton vem sendo substituído por outras hipóteses, com explicações consideravelmente divergentes entre si. Condemarin e Blomquist (1986); por exemplo, citam pesquisas que buscam explicar dificuldades de aprendizagem da escrita em função de fatores hereditários. Considerando determinada amostra, essas pesquisas afirmam que aproximadamente 80% dos sujeitos analisados tinham parentes - pais, avós, tios, irmãos, entre outros - que também relatavam tais dificuldades.
Entretanto, a base desses estudos vem sendo criticada. Segundo Pamplona-Moraes (1997), pesquisadores afirmam que a hipótese genética encerra uma falácia lógica, pois, ao estudar questões relativas à linguagem escrita em crianças di¬tas disléxicas e seus familiares, visto que tanto a criança como seus parentes compartilham do mesmo ambiente social, não é possível estabelecer o que é herdado geneticamente e o que é aprendido socialmente.
Distanciados da proposta genética, mas compartilhando de mesma visão biológica determinista, Smith e Carrigan (1959) propõem que a chamada dislexia pode ser decorrente de uma irregularidade no equilíbrio da química cerebral, ocasionada por excesso ou carência do composto acetilcoli¬na-colinesterase, no cérebro. Segundo esses autores, tal peculiaridade poderia ser explicada em termos de enfermidades metabólicas, desnutrição, entre outras.
Ainda na ótica organicista, distúrbios do movimento ocular poderiam explicar os chamados sintomas disléxicos na infância. De acordo com Hout (2001b), estudos oftalmológicos, ¬ao comparar o movimento ocular de crianças diagnosticadas como disléxicas com crianças ditas normais, concluíram que irregularidades na mobilidade dos olhos poderiam explicar ¬dificuldades no aprendizado da leitura e escrita. No entanto, pesquisas similares que utilizaram metodologia análoga não confirmaram a conclusão desses estudos.
Assim, acompanhamos explicações neurológicas, genéticas, metabólicas, oftalmológicas, as quais procuram associar questões referentes à apropriação da escrita com defasagens ¬orgânicas. Essas explicações denunciam um modelo de ciência que, ao estudar o ser humano, conforma-se aos preceitos das ciências naturais fazendo atividades humanas serem percebidas como coisas e retificadas como propriedades localizadas no organismo de indivíduos.
A busca, por exemplo, de explicação genética para questões da apropriação da escrita denuncia o uso de visão biológica determinista para justificar características de atividades humanas como naturais, biologicamente dadas. Questões escolares são tratadas como de natureza orgânica – nesse caso, seriam causadas por genes –, encobrindo diferenças humanas nos pIanos sociais e individuais. As desigualdades sociais e as diversidades no desempenho individual da criança são, nessa visão, interpretadas por meio de critérios genéticos – inevitáveis e imutáveis. Essa interpretação faz as análises do cotidiano escolar e do processo de apropriação do objeto escrito permanecerem restritas ao signo da patologização individual.
De qualquer forma, apesar de a ótica organicista ter apresentado uma série de hipóteses na tentativa de explicitar as causas da dislexia como um distúrbio específico de aprendizagem, ela não chegou a resultados conclusivos. As explicações causais apontadas por essa ótica não ultrapassaram o plano de suposições contraditórias entre si.
A perspectiva cognitivista ou instrumental
Além da visão organicista, dificuldades relacionadas à aprendizagem da escrita também foram enfocadas com base em critérios ditos cognitivistas ou instrumentais. Esse enfoque desenvolveu-se, segundo Condemarin e Blomquist (1986), principalmente a partir dos anos 1950 por um grupo de médicos e psicólogos europeus. Embora esse enfoque tenha procurado afastar-se de pressupostos exclusivamente organicistas, acabou por filiar-se a eles à medida que buscou explicar aquelas dificuldades como sendo decorrentes de disfunções mentais ou imaturidades relacionadas ao sistema nervoso central.
Na visão cognitivista, os termos "disfunção" e "imaturidade" contrapõem-se à noção de lesão e malformação. Passam a ser usados para descrever função cerebral supostamente anormal, a qual poderia acarretar desordens cognitivas – também chamadas de instrumentais -, que, por sua vez, interfeririam negativamente na aprendizagem da escrita. Portanto, nessa abordagem, deficiências cognitivas – decorrentes de disfunções1 cerebrais – seriam tomadas como causa da chamada dislexia e poderiam afetar diferentes processos de construção do objeto escrito,
tais como: a percepção visual, a percepção auditiva, a memória e a estruturação espaço-temporal.
Para representantes da perspectiva cognitivista, além da dificuldade para aprender a ler e a escrever, a criança considerada disléxica geralmente apresentaria outras características, descritas como problemas relacionados ao esquema corporal e à sua imagem. Elas teriam dificuldades quanto à noção de direita-esquerda, transtornos espaço-temporais, distúrbios do padrão motor – o qual influenciaria na despreza manual –, perturbações analítico-sintéticas, entre outras. Nesse contexto, Fonseca (1995) propõe que desordens práxicas ou psicomotoras poderiam ocasionar problemas na aprendizagem da leitura e da escrita. Na sua opinião, a integração cerebral de subsistemas psicomotrizes faria emergir movimentos responsáveis pela escrita de uma letra ou pela emissão oral de uma palavra, sugerindo que dificuldades próprias da dislexia poderiam ser tomadas como conseqüências de desordens psicomotoras.
Entretanto, estudos realizados sob a perspectiva cognitivista são incipientes e carecem de maiores investigações. Para Vellutino (1982), não é possível afirmar que problemas de esquema corporal, transtornos de memória, desestruturações espaço-temporais, aspectos psicomotores, entre outros, sejam peculiares a crianças tomadas como disléxicas. Eles podem ser encontrados em qualquer sujeito, ou seja, ¬em aprendizes considerados portadores de dificuldades para ¬ler e escrever e, também, em alunos que seguem o fluxo previsto pela escola. Concordando com Vellutino, García (1998) afirma que essa abordagem não se sustenta, pelo fato ¬de se assentar em explicações distantes das especificidades da linguagem escrita.
Associados ao enfoque cognitivista, outros autores – pautados na explicação de uma função anormal do cérebro – propõem que dificuldades de aprendizagem da escrita poderiam ser explicadas com base em disfunção cerebral mínima. Conforme Selikowitz (2001), tal disfunção seria caracterizada em termos de anormalidades de neurotrans¬missores – elementos químicos naturais que transmitem mensagens entre as células cerebrais. Essas anormalidades poderiam originar distúrbios de comportamento infantil descritos como parte de uma síndrome hipercinética que, por sua vez, ocasionaria dificuldades de aprendizagem.
Porém, como todas as hipóteses apresentadas, essa explicação não passa de uma suposição. Aliás, vale ressaltar que, segundo Selikowitz, a própria noção de disfunção cerebral mínima vem sendo criticada, sobretudo pelo fato de ter despertado a possibilidade de serem utilizados tratamentos medicamentosos para corrigir uma hipotética desordem química no cérebro.
Nesse mesmo contexto cognitivista, identifica-se ainda autores como L. Giordano e L. H. Giordano (1973) e Critchley (1974), os quais defendem a opinião de que crianças consideradas disléxicas poderiam ser vítimas de um retardo na maturação cerebral. Nessa visão, problemas de ordem ma¬turacional poderiam acarretar deficiências em certas funções corticais, as quais ocasionariam limitações relacionadas à aprendizagem e, assim, explicariam a origem das dificuldades relativas à aquisição da escrita. Contudo, tanto a hipótese da disfunção cerebral mínima como a que defende imaturidade neurológica são, de acordo com Grégoire e Piérart (1997), frágeis, pois ambas, sem esclarecimento etiológico, procuram sustentar suas opiniões com base na coleta de dados comportamentais, elaborada por meio de exames e testes aplicados em criança ditas disléxicas.
Fazendo uma breve analise acerca dos dois enfoques apresentados – a visão organicista e a perspectiva cognitivista ou instrumental –, percebe-se que se pautam no mesmo princípio. Os dois buscam explicações para aquilo que entendem como dislexia com base em uma lesão (na ótica organicista) ou em uma disfunção ou imaturidade (no enfoque instrumental ou cognitivista) localizada no sujeito, isto é, em questões intrínsecas a ele. Essas duas abordagens, embora com roupagens aparentemente distintas, procuram, sob o domínio das ciências naturais, explicar o que consideram um distúrbio de aprendizagem apoiadas em suposições acerca do aparato biológico da criança. Patologizam questões referentes à apropriação da linguagem escrita e ocultam a própria criança, uma vez que desconsideram a sua história, o seu saber, o seu dizer.
Em um contexto explicitamente lacunar, a posição neurobiológica – assumida pelas abordagens organicista e cognitivista – parece conviver, ainda, com uma visão psicoafetiva que, sem se opor aos demais enfoques, sugere que a dislexia seja tomada como decorrente de um problema intimamente relacionado à personalidade da criança.
A visão psicoafetiva
A abordagem psicoafetiva procura explicar o que toma por problemas na aquisição da escrita com base em perturbações afetivas da criança. Pautados nesta abordagem, psicólogos clínicos buscaram explicar dificuldades na aprendizagem da linguagem escrita em função de problemas emocionais. Para Serrano (2001), por exemplo, transtornos de aprendizagem podem estar associados a três sintomas psicopatológicos: à síndrome depressiva, aos estados de ansiedade e aos transtornos comportamentais.
A depressão infantil perturba, segundo o autor, o processo de aprendizagem, porque a criança nesse estado tem sua atenção e concentração reduzidas; além disso, seu prazer em aprender também é diminuído. Os estados de insegurança e ansiedade – que geralmente coexistem com manifestações depressivas – podem estar associados ao temor do fracasso ante a aquisição da escrita, interferindo na aprendizagem dessa modalidade de linguagem e dificultando o desenvolvimento dos processos de atenção e memória.
A incidência de transtornos de comportamento, vinculados a dificuldades de aprendizagem e a atitudes anti-sociais, é bastante freqüente, segundo Serrano. De acordo com o autor, a criança disléxica mostra-se impulsiva e se enfurece com facilidade, manifestando pouca capacidade para lidar com limites e frustrações. No entanto, adverte que essas atitudes podem estar relacionadas ao posicionamento assumido pelos familiares – que interpretam as dificuldades escolares da criança como sinais de "má vontade" ou "preguiça". Nesse sentido, Serrano afirma que fatores emocionais podem estar associados ao que se chama de dislexia. Essa associação entre dificuldades de leitura e escrita com questões de ordem emocional parece ser um consenso na literatura. Todavia, convém mencionar que tais questões, conforme Pamplona-Moraes (1997), geralmente apresentadas por crianças ditas disléxicas, não devem ser tomadas como aspectos que determinam o que se chama de dislexia, mas, ao contrario, como resultado dela.
Nesse ponto, ressalta-se que a análise do processo de apropriação da escrita elaborada sob a perspectiva psicoafetiva também se pauta em aspectos que se referem ao próprio sujeito-aprendiz, assim como sob as abordagens organicista e cognitivista. Embora o enfoque não seja o biológico, a compreensão de fatos relacionados ao contexto social permanece projetada no aluno, na sua personalidade, na sua família.
A escola, como espaço onde circulam discursos, permanece isenta, pois não se analisa o papel decisivo que ela assume na constituição da subjetividade das crianças e no percurso percorrido na apropriação da escrita.
Considerando que a subjetividade infantil é marcada por efeitos de sentidos discursivos, ao ser apontada como alguém que esta fracassando, entende-se que qualquer criança pode apresentar baixa auto-estima e pouco interesse por essa modalidade de linguagem, principalmente quando a instituição escolar a anuncia como incapaz ou impossibilitada em função de hipóteses e "erros" que, acompanham o processo de apropriação da escrita.
Por isso, diante de um cenário etiológico tão diverso e contraditório, antes de conceber a criança como portadora de um distúrbio, é imprescindível compreender o trajeto trilhado por ela para se apropriar da linguagem escrita bem como os efeitos de práticas discursivas que circundam esse trajeto. Longe dessa compreensão, desprovida de rigor explicativo, a chamada dislexia vem sendo tomada como uma entidade nosográfica que pode estar associada a múltiplas e diferentes desordens – lesão, imaturidade ou disfunção cerebral, anomalia de predomínio hemisférico, transtornos genéticos, alterações metabólicas, nutricionais, oftalmológicas ou emocionais. Essas desordens, de maneira contraditória, são apontadas pela literatura para tentar justificar a existência da suposta patologia como algo inerente ao aprendiz da escrita.
Nesse caminho, apesar de situar-se em um campo conceitual indefinido e arbitrário, a dislexia foi reconhecida como patologia por órgãos oficiais da Europa e dos Estados Unidos, conforme apresentado a seguir.
A DISLEXIA (IN)DEFINIDA POR ÓRGÃOS OFICIAIS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
De acordo com Hout (2001a), a World Federation of Neurology, na Europa, definiu a dislexia como um transtorno da aprendizagem da língua escrita que ocorre apesar de uma inteligência normal, da ausência de problemas sensoriais ou neurológicos, de instrução escolar considerada adequada e de oportunidades socioculturais suficientes. Trata-se de uma definição formulada em função de critérios excludentes: um conceito que destaca os fatores causais que não podem determinar ou explicar a chamada dislexia.
Nos Estados Unidos, o reconhecimento da dislexia como um transtorno específico de aprendizagem da linguagem escrita foi aprovado, em 1960, pelo Congresso Nacional daquele país. Segundo Bolaffi (1994), a importância atribuída ao diagnóstico neurológico e um representativo número de crianças diagnosticadas como disléxicas provocaram a criação de leis que garantem a elas uma educação especial, em classes separadas das crianças consideradas normais.
Em 1978, foi sancionada uma lei3 que confere direito à educação para todas as crianças portadoras de deficiências que tece comentários a respeito da dislexia. Tais comentários se fundamentam em um desnível significativo entre as possibilidades intelectuais retratadas pelo quociente de inteligência (QI) da criança ou do adolescente e as suas realizações escolares no âmbito da escrita. Em outras palavras, segundo tais comentários, a pessoa dita disléxica apresenta um desempenho escolar aquém de seu potencial intelectual.
Essa mesma lei define que um dos principais critérios para chegar a um diagnóstico preciso de dislexia é a exclusão de fenômenos causais – transtornos de percepção sensorial, transtornos psiquiátricos primários, patologias neurológicas graves, oportunidade escolar insuficiente e falta de estímulos socioculturais – que poderiam explicar o desnível entre a capacidade intelectual da criança e sua possibilidade de ler e escrever.
Portanto, nos Estados Unidos, os critérios para definir a dislexia são similares aos utilizados pela World Federation of ¬Neurology, na Europa, ou seja, são critérios fundamentados em fatores excludentes. Nesse sentido, salienta-se, uma vez mais, o fato de a chamada dislexia ser considerada uma perturbação caracterizada pela eliminação de fatores capazes de determinar sua causa, isto é, uma perturbação no processo de apropriação da escrita que se caracteriza por não contar com qualquer explicação causal capaz de justificá-la.
Convém ressaltar ainda que a lei norte-americana, ao mencionar um desnivelamento entre QI e capacidade para ler e escrever, não esclarece o que entende por tal desnivelamento, tampouco explica o conceito de QI. Apesar de escores de testes que determinam o quociente de inteligência serem amplamente utilizados e tomados como principal critério para indicar a capacidade intelectual de uma criança, tais escores não garantem uma distinção clara entre deficiência mental, normalidade e superdotação.
De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia (ABD)4, em 1994, foi divulgada pela International Dyslexia Association5 a definição que vem sendo utilizada:
Dislexia é um dos muitos distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio específico da linguagem, de origem constitucional, caracterizado pela dificuldade em decodificar palavras simples. Mostra uma insuficiência no processo fonológico. Essas dificuldades de decodificar palavras simples não são esperadas em relação à idade. Apesar de submetida a instrução convencionaI, adequada inteligência, oportunidade sociocultural e não possuir distúrbios cognitivos e sensoriais fundamentais, a criança falha no processo de aquisição da linguagem. A dislexia apresentada em várias formas de dificuldades com diferentes formas de linguagem, freqüentemente incluídos problemas de leitura, em aquisição e capacidade de escrever e soletrar.
Cabe esclarecer que a Associação Brasileira de Dislexia, além de exercer influência sobre estudos, pesquisas e atividades profissionais envolvidas com a temática em todo o país, está vinculada a International Dyslexia Association e compartilha dos mesmos pressupostos dessa organização, que goza de grande prestígio em todos os estados norte-americanos e em outros países. Portanto, o conceito divulgado por essas instituições é amplamente aceito e representativo da visão vigente em torno do que se entende por dislexia.
Sobre a definição em si, a International Dyslexia Associa¬tion – pela Associação Brasileira de Dislexia – deixa claro que entende a linguagem como um código, ao buscar caracterizar a dislexia como um distúrbio especificamente de ordem lingüística. Ela ressalta que a dificuldade da criança estaria relacionada à codificação e decodificação de palavras simples.
Porém, essa visão que concebe a Iíngua como um código – organizado em função de um amontoado de sons, letras, sílabas e palavras isoladas de um contexto significativo – e o aprendiz como um ser passivo, mero memorizador de repetições, está explicitamente pautada em uma perspectiva behaviorista. Tal perspectiva, desenvolvida fundamentalmente por Skinner (1957), torna a linguagem como comportamento verbal, produto de reforço e modelagem que o meio externo proporciona ao aprendiz, negando o papel do sujeito e desconsiderando o processo interlocutivo na construção de objetos lingüísticos.
sábado, 20 de dezembro de 2008
O que é realmente a dislexia
Normalmente, quando ouvimos a palavra dislexia pensamos apenas em problemas que crianças estariam tendo na escola com leitura, escrita, ortografia e matemática. Alguns associam-na apenas a troca de letras ou palavras, outros à lentidão de aprendizagem. Quase todos a consideram uma forma de transtorno da aprendizagem. Na verdade, isso é apenas um aspecto da dislexia. Quanto ao lado “positivo” da dislexia encontramos pessoas que são e foram considerados gênios, apesar de serem disléxicos.
A genialidade deles não ocorreu apesar da dislexia mas por causa dela!
Ter dislexia não faz de cada disléxico um gênio, mas é bom para a auto-estima de todos os disléxicos saberem que suas mentes funcionam exatamente do mesmo modo que as mentes de grandes gênios. Também é importante saberem que o fato de terem um problema com leitura, escrita, ortografia ou matemática não significa que sejam burros ou idiotas. A mesma função mental que produz um gênio pode também produzir esses problemas.
A função mental que causa a dislexia é um dom, no mais verdadeiro sentido da palavra: uma habilidade natural, um talento. Alguma coisa especial que engrandece o indivíduo.
Alguns Disléxicos Famosos
¤ Agatha Christie / Alexander Graham Bell / Alexander Pope / Albert Einstein / Amy Lowell / Anwar Sadat / Auguste Rodin
¤ Ben Johnson / Beryl Reid (atriz inglesa) / Bruce Jenner
¤ Charles Darwin / Cher (cantora) / Constantino (Rei da Grécia)
¤ Darcy Bussel / David Bailey / David Murdock / Dexter Manley / Don Stroud (ator e campeão mundial de surf) / Duncan Goodhew (campeão de natação)
¤ Francis Bacon / Franklin D. Roosevelt
¤ George Washington / George W. Bush Jr / General George Patton / greg Louganis
¤ Hans Christian Andersen / Harrison Ford / Harry Belafonte / Harvey Xushing (pai da cirúrgia neurological moderna) / Henry Ford / Henry Winkler
¤ Jackie Stewart (piloto de corridas) / John F. Kennedy / John Lennon / John Rigby (dono do parquet temático) / Joyce Bulifant (atriz) / Júlio Cesar
¤ Keira Knightley (atriz inglesa)
¤ Lawrence Lowell / Lewis Carroll (autor) / Leslie Ash (atriz inglesa) / Lindsay Wagner / Lord Addington / Loretta Young / Leonardo Da Vinci
¤ Magic Johnson / Margaret Whitton / Margaux Hemmingway / Mark Stewart (ator / filho de Jackie Stewart) / Mark Twain / Michael Barrymore (comediante) / Michael Hesetine / Michelangelo / Muhammad Ali
¤ Napoleão Bonaparte / Nelson Rockefeller / Nicholas Brady (US Secy Treasury)
Nicholas Bush (Filho do presidente EUA) / Nicholas Parsons (Ator inglês) / Nicola Hicks (Escultora Inglesa)
¤ Oliver Reed (Ator Inglês) / Orlando Bloom (Ator Inglês)
¤ Pablo Picasso / Paul Stewart (piloto de corridaslFilho de Jackie Stewart) /Peter Scott (pintor) / Phil Harris (do Harris Queensway)
¤Quentin Tarantino
¤ Robin Williams / Richard Chamberlain / Richard Rogers (Arquiteto inglês) / Rob Nelson (Jogador de baseball profissional) /Robin Williams / Roy Castle (Ator inglês)
¤ Sarah Miles (Atriz inglesa) / Sir Joshua Reynolds / Stanley AntonotI, D.D.S. / Stephen J. Cannell / Susan Hampshire (Atriz inglesa)
¤ Ted Turner / Thomas A. Edison / Tom Cruise / Tom Smothers
¤ Vincent van Gogh
¤ Walt Disney / Winston Churchill / Walt Disney / Whoopi Goldberg / Willard Wiggins (Escultor) / William Butler Yates / Woodrow Wilson
As recentes gafes lingüísticas do presidente George W. Bush Jr são evidências muito concretas de urna dislexia que se severa a cada ano, a cada evento, a cada nova circunstância política. Mais recentemente, em fevereiro de 2002, durante sua visita ao Japão, em entrevista coletiva conjunta com o primeiro ¬ministro japonês Junichiro Koizumi, Bush disse "desvalorização" em vez de "deflação", o que acabou por provocar pânico no mercado de câmbios. Qual a origem dos lapsos de Bush Jr?
Os tropeços verbais de Bush não são de hoje. Ele é famoso por suas inumeráveis gafes lingüísticas em matéria de política internacional. Decerto, isso não ocorre somente por ignorância ou desinformação, mas por ser portador de dislexia. Durante sua campanha à Presidência dos EUA, seus lapsos gramaticais e, principalmente, ao inventar, nos discursos de improviso, palavras inusitadas e estranhas ao idioma inglês, tal comportamento lingüístico indicava, para os opositores, um despreparo para assumir a presidência dos EUA. Todavia, a dislexia de Bush, herança familiar, não compromete nem comprometeu, até agora, sua inteligência e capacidade de liderar o País.
Bush é um disléxico com visão de mundo, e ficará na história, não apenas pelos atentados de 11 de setembro, mas também como um homem que faz a auto-anulação de seus erros, ao admitir e rir dos lapsos de linguagem. Quando erra, quando troca 1etra ou palavra, não pensa em duas vezes para, em seguida, pedir desculpas ao interlocutor pela troca involuntária e dá um sorriso franco, próprio de quem aprendeu a vencer os próprios limites de linguagem verbal. O que acontece com Bush aconteceu com figuras proeminentes como Leonardo Da Vinci, William Butler Yeats, Albert Einstein e também o ex¬-governador de Nova York David Rockefeller.
Ao que tudo indica a dislexia de Bush é hereditária. O avô de George Bush Jr, Prescott Bush, era disléxico. As dificuldades de leitura também podem ser constatadas no seu irmão Neil, que já recebeu um diagnóstico de dislexia. Da família, Bush Jr, em que pese ter consciência do problema lingüístico, ainda não se submeteu aos testes de diagnóstico de dislexia. Sua mãe, Barbara, porém, tem participado de várias campanhas sobre o esclarecimento dessa síndrome e admite, publicamente, as dificuldades de leitura e de compreensão de textos nos demais membros da família.
No caso da troca de "deflação" por "desvalorização", esta clara manifestação de comportamento disléxico recebe, no âmbito dos estudos sobre as dificuldades de leitura, o nome de paralexia verbal. A paralexia designa o comportamento de um paciente que substitui uma palavra por outra quando lê ou escreve. O disléxico escuta bem, mas não pode processar rapidamente todos os sons de uma palavra. Desse modo, quando repete uma palavra que escutou o faz omitindo ou alterando o lugar ou contexto dos sons da palavra. Por isso, em geral, falta ao disléxico, a consciência fonológica.
Por ser um presidente de uma grande potência mundial, o comportamento disléxico de Bush tem sido desastroso não só para a sua própria imagem de estadista, objeto de muita chacota por parte de políticos e jornalistas do mundo inteiro, mas compromete, por vezes, a paz mundial, quando apresenta sinais de beligerância, cansaço, stress ou humor visceral, como os verificados na declaração de guerra ao Afeganistão.
Uma outra compreensão de sua dislexia pode nos levar a afirmar que suas dificuldades verbais revelam seu desconhecimento para tratar com a etnolinguistica do mundo ocidental e oriental, o que certamente, justificaria que, em muitos de seus discursos, chame "kosovarianos" aos kosovares, "grecianos" aos gregos, "timorianos" aos timorenses. Ou, ainda, que confunda, Eslováquia por Eslovênia e aos talibães com um grupo de rock.
Mais recentemente, termos como "declaração de guerra" e "eixo do mal", sem o peso da carga semântica que a mídia parece supor, indicam o risco, sempre iminente, de confronto mundial.
Em todo caso, consciente de suas limitações no plano da linguagem verbal, Bush Jr tem se comportado como um "ator de discurso memorizado" e tem procurado, outrossim, convencer seus eleitores de que pode ser Presidente não apenas com palavras, mas com gestos. Eis então a explicação porque um disléxico conseguiu chegar à Presidência dos EUA: desenvolveu a capacidade de gostar das pessoas, de ouvir e de estar sempre próximo do povo.
Nem todos os disléxicos desenvolvem os mesmos dons, mas eles certamente possuem algumas funções mentais em comum. Aqui estão as habilidades básicas de que todos os disléxicos compartilham:
1. São capazes de utilizar seu dom mental para alterar ou criar percepções (a habilidade primária).
2. São altamente conscientes do meio ambiente.
3. São mais curiosos que a média.
4. Pensam principalmente em imagens, em vez de palavras.
5. São altamente intuitivos e capazes de muitos insights.
6. Pensam e percebem de forma multidimensional (utilizando todos os sentidos).
7. Podem vivenciar o pensamento como realidade.
8. São capazes de criar imagens muito vívidas.
Estas oito habilidades básicas, se não forem suprimidas, anuladas ou destruídas pelos pais ou pelo processo educacional, resultarão em duas características: inteligência acima do normal e extraordinária criatividade. A partir daí, o verdadeiro dom da dislexia pode emergir – o dom da mestria.
Antes que um disléxico possa perceber e apreciar plenamente o lado positivo da dislexia, devemos considerar seu lado negativo. Isto não quer dizer que o lado positivo não possa vir à tona enquanto os problemas ainda existirem. O dom está sempre presente, mesmo que não seja reconhecido. De fato, muitos disléxicos adultos usam o lado positivo da dislexia em suas carreiras sem se darem conta. Acreditam apenas que têm um jeito para fazer determinadas coisas, sem perceberem que seu talento especial vem das mesmas funções mentais que os impedem de ler e escrever muito bem.
As dificuldades mais comuns da dislexia ocorrem na leitura, na escrita, na ortografia ou na matemática, mas também aparecem em muitas outras áreas. Cada caso é diferente do outro, porque a dislexia é uma condição autogerada. Não existem dois disléxicos que a tenham desenvolvido exatamente da mesma maneira.
A dislexia é o resultado de um talento perceptivo. Em algumas situações, ele pode se tornar uma desvantagem. O individuo não percebe que isso acontece, porque o uso desse talento tornou-se parte integrante do seu processo de pensamento.
A palavra dislexia foi o primeiro termo genérico utilizado para designar vários problemas de aprendizagem. Em seu devido tempo, com o intuito de descrever as diferentes formas de transtornos de aprendizagem, esses problemas foram subdivididos e classificados. Por esta razão podemos chamar a dislexia de “A Mãe dos Transtornos de Aprendizagem”.
Originalmente, os pesquisadores acreditavam que os disléxicos teriam sofrido algum tipo de lesão cerebral ou nervosa, ou seriam portadores de uma disfunção congênita. Em qualquer um dos casos, haveria uma interferência nos processos mentais necessários à leitura.
No fim da década de 1920, o doutor Samuel Torrey Orton redefiniu a dislexia como uma “lateralização cruzada do cérebro”. Isto significava que o lado esquerdo do cérebro estaria fazendo o que o lado direito supostamente deveria fazer, e o lado direito estaria fazendo o trabalho do lado esquerdo. Contudo, isto era apenas uma teoria e, em pouco tempo, o doutor Orton concluiu que estava incorreta. Ele apresentou então uma segunda teoria, afirmando tratar-se de uma “dominância hemisférica mista”, o que por sua vez significava que o lado esquerdo do cérebro estaria às vezes fazendo o que o lado direito deveria fazer, e vice-versa.
Existem hoje muitas teorias diferentes sobre o que é a dislexia e sobre suas causas. A maior parte dessas teorias foi formulada para explicar os sintomas ou as características da dislexia – e por que o transtorno ocorreu.
Sob diferentes perspectivas, serão apresentadas na seqüência três grandes abordagens que buscam explicar o que entendem por dislexia: a organicista, a cognitivista ou instrumental e a psicoafetiva.
A visão organicista é representada pela área médica, cujas explicações parecem multiplicar-se de acordo com cada especialidade da medicina disposta a esclarecer questões escolares relacionadas ao processo de apropriação da linguagem escrita. Além disso, é comum, no interior de uma mesma especialidade, verificar posicionamentos divergentes para o que tem sido considerado dislexia. No âmbito da própria neurologia – primeira especialista médica que buscou fundamentar e categorizar fatos relacionados à aprendizagem da escrita como um distúrbio – não se encontra uma posição única.
A tentativa de explicitar tais fatos com base no mesmo entendimento clínico – localizacionista – utilizado para esclarecer a afasia foi questionada por Orton, em 1925. Para esse neurologista americano, distúrbios de aprendizagem da escrita apresentados por uma criança em fase de alfabetização deveriam ser compreendidos de maneira diferente daqueles transtornos adquiridos e manifestados pelo adulto. Após examinar cerca de três mil crianças que apresentavam dificuldades relativas a leitura e a ortografia, Orton afirmou que distúrbios de aprendizagem da língua escrita, na infância, estariam relacionados a um defeito no reconhecimento da orientação das letras e de sua seqüência nas palavras, ressaltando que, apesar de apresentarem problemas na escrita, a percepção visual e a orientação espacial dos sujeitos que examinou mostravam-se intactas. No seu entendimento, esse defeito era decorrente de uma falha no desenvolvimento da dominância hemisférica cerebral.
Por isso, propôs o uso do termo "estrefossimbolia" – que significa simbolização distorcida – acentuando uma característica que julgava fundamental: a produção de letras invertidas1. Baseado nessa suposição, Orton buscou substituir a denominação anteriormente dada, "cegueira verbal congênita", pois, segundo seu ponto de vista,
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1. De acordo com Quirós e Della Cella (1972), tais inversões de letras eram comuns em quadros de crianças ditas disléxicas, as quais trocavam, por exemplo: “b” por “d”, “p” por “q”, “b” por “q”, “o” por”q”, “n” por “u”.
tratava-se de uma anomalia de predomínio hemisférico e não de uma lesão cerebral focal.
Apesar de influenciar uma série de pesquisas, o estudo proposto por Orton vem sendo substituído por outras hipóteses, com explicações consideravelmente divergentes entre si. Condemarin e Blomquist (1986); por exemplo, citam pesquisas que buscam explicar dificuldades de aprendizagem da escrita em função de fatores hereditários. Considerando determinada amostra, essas pesquisas afirmam que aproximadamente 80% dos sujeitos analisados tinham parentes - pais, avós, tios, irmãos, entre outros - que também relatavam tais dificuldades.
Entretanto, a base desses estudos vem sendo criticada. Segundo Pamplona-Moraes (1997), pesquisadores afirmam que a hipótese genética encerra uma falácia lógica, pois, ao estudar questões relativas à linguagem escrita em crianças di¬tas disléxicas e seus familiares, visto que tanto a criança como seus parentes compartilham do mesmo ambiente social, não é possível estabelecer o que é herdado geneticamente e o que é aprendido socialmente.
Distanciados da proposta genética, mas compartilhando de mesma visão biológica determinista, Smith e Carrigan (1959) propõem que a chamada dislexia pode ser decorrente de uma irregularidade no equilíbrio da química cerebral, ocasionada por excesso ou carência do composto acetilcoli¬na-colinesterase, no cérebro. Segundo esses autores, tal peculiaridade poderia ser explicada em termos de enfermidades metabólicas, desnutrição, entre outras.
Ainda na ótica organicista, distúrbios do movimento ocular poderiam explicar os chamados sintomas disléxicos na infância. De acordo com Hout (2001b), estudos oftalmológicos, ¬ao comparar o movimento ocular de crianças diagnosticadas como disléxicas com crianças ditas normais, concluíram que irregularidades na mobilidade dos olhos poderiam explicar ¬dificuldades no aprendizado da leitura e escrita. No entanto, pesquisas similares que utilizaram metodologia análoga não confirmaram a conclusão desses estudos.
Assim, acompanhamos explicações neurológicas, genéticas, metabólicas, oftalmológicas, as quais procuram associar questões referentes à apropriação da escrita com defasagens ¬orgânicas. Essas explicações denunciam um modelo de ciência que, ao estudar o ser humano, conforma-se aos preceitos das ciências naturais fazendo atividades humanas serem percebidas como coisas e retificadas como propriedades localizadas no organismo de indivíduos.
A busca, por exemplo, de explicação genética para questões da apropriação da escrita denuncia o uso de visão biológica determinista para justificar características de atividades humanas como naturais, biologicamente dadas. Questões escolares são tratadas como de natureza orgânica – nesse caso, seriam causadas por genes –, encobrindo diferenças humanas nos pIanos sociais e individuais. As desigualdades sociais e as diversidades no desempenho individual da criança são, nessa visão, interpretadas por meio de critérios genéticos – inevitáveis e imutáveis. Essa interpretação faz as análises do cotidiano escolar e do processo de apropriação do objeto escrito permanecerem restritas ao signo da patologização individual.
De qualquer forma, apesar de a ótica organicista ter apresentado uma série de hipóteses na tentativa de explicitar as causas da dislexia como um distúrbio específico de aprendizagem, ela não chegou a resultados conclusivos. As explicações causais apontadas por essa ótica não ultrapassaram o plano de suposições contraditórias entre si.
A perspectiva cognitivista ou instrumental
Além da visão organicista, dificuldades relacionadas à aprendizagem da escrita também foram enfocadas com base em critérios ditos cognitivistas ou instrumentais. Esse enfoque desenvolveu-se, segundo Condemarin e Blomquist (1986), principalmente a partir dos anos 1950 por um grupo de médicos e psicólogos europeus. Embora esse enfoque tenha procurado afastar-se de pressupostos exclusivamente organicistas, acabou por filiar-se a eles à medida que buscou explicar aquelas dificuldades como sendo decorrentes de disfunções mentais ou imaturidades relacionadas ao sistema nervoso central.
Na visão cognitivista, os termos "disfunção" e "imaturidade" contrapõem-se à noção de lesão e malformação. Passam a ser usados para descrever função cerebral supostamente anormal, a qual poderia acarretar desordens cognitivas – também chamadas de instrumentais -, que, por sua vez, interfeririam negativamente na aprendizagem da escrita. Portanto, nessa abordagem, deficiências cognitivas – decorrentes de disfunções2 cerebrais – seriam tomadas como causa da chamada dislexia e poderiam afetar diferentes processos de construção do objeto escrito, tais como: a percepção visual, a percepção auditiva, a memória e a estruturação espaço-temporal.
Para representantes da perspectiva cognitivista, além da dificuldade para aprender a ler e a escrever, a criança considerada disléxica geralmente apresentaria outras características, descritas como problemas relacionados ao esquema corporal e à sua imagem. Elas teriam dificuldades quanto à noção de direita-esquerda, transtornos espaço-temporais, distúrbios do padrão motor – o qual influenciaria na despreza manual –, perturbações analítico-sintéticas, entre outras. Nesse contexto, Fonseca (1995) propõe que desordens práxicas ou psicomotoras poderiam ocasionar problemas na aprendizagem da leitura e da escrita. Na sua opinião, a integração cerebral de subsistemas psicomotrizes faria emergir movimentos responsáveis pela escrita de uma letra ou pela emissão oral de uma palavra, sugerindo que dificuldades próprias da dislexia poderiam ser tomadas como conseqüências de desordens psicomotoras.
Entretanto, estudos realizados sob a perspectiva cognitivista são incipientes e carecem de maiores investigações. Para Vellutino (1982), não é possível afirmar que problemas de esquema corporal, transtornos de memória, desestruturações espaço-temporais, aspectos psicomotores, entre outros, sejam peculiares a crianças tomadas como disléxicas. Eles podem ser encontrados em qualquer sujeito, ou seja, ¬em aprendizes considerados portadores de dificuldades para ¬ler e escrever e, também, em alunos que seguem o fluxo previsto pela escola. Concordando com Vellutino, García (1998) afirma que essa abordagem não se sustenta, pelo fato ¬de se assentar em explicações distantes das especificidades da linguagem escrita.
Associados ao enfoque cognitivista, outros autores – pautados na explicação de uma função anormal do cérebro – propõem que dificuldades de aprendizagem da escrita poderiam ser explicadas com base em disfunção cerebral mínima. Conforme
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2. O termo "disfunção" é usado para referir-se a uma alteração na função cerebral. Assim, partindo de uma noção de disfunção, não seria necessário contar com correspondência e/ou evidência anatômica, diferentemente da hipótese que apostava na possibilidade de haver uma lesão ou malformação encefálica, conforme enfoque organicista.
Selikowitz (2001), tal disfunção seria caracterizada em termos de anormalidades de neurotrans¬missores – elementos químicos naturais que transmitem mensagens entre as células cerebrais. Essas anormalidades poderiam originar distúrbios de comportamento infantil descritos como parte de uma síndrome hipercinética que, por sua vez, ocasionaria dificuldades de aprendizagem.
Porém, como todas as hipóteses apresentadas, essa explicação não passa de uma suposição. Aliás, vale ressaltar que, segundo Selikowitz, a própria noção de disfunção cerebral mínima vem sendo criticada, sobretudo pelo fato de ter despertado a possibilidade de serem utilizados tratamentos medicamentosos para corrigir uma hipotética desordem química no cérebro.
Nesse mesmo contexto cognitivista, identificamos ainda autores como L. Giordano e L. H. Giordano (1973) e Critchley (1974), os quais defendem a opinião de que crianças consideradas disléxicas poderiam ser vítimas de um retardo na maturação cerebral. Nessa visão, problemas de ordem ma¬turacional poderiam acarretar deficiências em certas funções corticais, as quais ocasionariam limitações relacionadas à aprendizagem e, assim, explicariam a origem das dificuldades relativas à aquisição da escrita. Contudo, tanto a hipótese da disfunção cerebral mínima como a que defende imaturidade neurológica são, de acordo com Grégoire e Piérart (1997), frágeis, pois ambas, sem esclarecimento etiológico, procuram sustentar suas opiniões com base na coleta de dados comportamentais, elaborada por meio de exames e testes aplicados em criança ditas disléxicas.
Fazendo uma breve analise acerca dos dois enfoques apresentados – a visão organicista e a perspectiva cognitivista ou instrumental –, percebemos que se pautam no mesmo princípio. Os dois buscam explicações para aquilo que entendem como dislexia com base em uma lesão (na ótica organicista) ou em uma disfunção ou imaturidade (no enfoque instrumental ou cognitivista) localizada no sujeito, isto é, em questões intrínsecas a ele. Essas duas abordagens, embora com roupagens aparentemente distintas, procuram, sob o domínio das ciências naturais, explicar o que consideram um distúrbio de aprendizagem apoiadas em suposições acerca do aparato biológico da criança. Patologizam questões referentes à apropriação da linguagem escrita e ocultam a própria criança, uma vez que desconsideram a sua história, o seu saber, o seu dizer.
Em um contexto explicitamente lacunar, a posição neurobiológica – assumida pelas abordagens organicista e cognitivista – parece conviver, ainda, com uma visão psicoafetiva que, sem se opor aos demais enfoques, sugere que a dislexia seja tomada como decorrente de um problema intimamente relacionado à personalidade da criança.
A visão psicoafetiva
A abordagem psicoafetiva procura explicar o que toma por problemas na aquisição da escrita com base em perturbações afetivas da criança. Pautados nesta abordagem, psicólogos clínicos buscaram explicar dificuldades na aprendizagem da linguagem escrita em função de problemas emocionais. Para Serrano (2001), por exemplo, transtornos de aprendizagem podem estar associados a três sintomas psicopatológicos: à síndrome depressiva, aos estados de ansiedade e aos transtornos comportamentais.
A depressão infantil perturba, segundo o autor, o processo de aprendizagem, porque a criança nesse estado tem sua atenção e concentração reduzidas; além disso, seu prazer em aprender também é diminuído. Os estados de insegurança e ansiedade – que geralmente coexistem com manifestações depressivas – podem estar associados ao temor do fracasso ante a aquisição da escrita, interferindo na aprendizagem dessa modalidade de linguagem e dificultando o desenvolvimento dos processos de atenção e memória.
A incidência de transtornos de comportamento, vinculados a dificuldades de aprendizagem e a atitudes anti-sociais, é bastante freqüente, segundo Serrano. De acordo com o autor, a criança disléxica mostra-se impulsiva e se enfurece com facilidade, manifestando pouca capacidade para lidar com limites e frustrações. No entanto, adverte que essas atitudes podem estar relacionadas ao posicionamento assumido pelos familiares – que interpretam as dificuldades escolares da criança como sinais de "má vontade" ou "preguiça". Nesse sentido, Serrano afirma que fatores emocionais podem estar associados ao que se chama de dislexia. Essa associação entre dificuldades de leitura e escrita com questões de ordem emocional parece ser um consenso na literatura. Todavia, convém mencionar que tais questões, conforme Pamplona-Moraes (1997), geralmente apresentadas por crianças ditas disléxicas, não devem ser tomadas como aspectos que determinam o que se chama de dislexia, mas, ao contrario, como resultado dela.
Nesse ponto, ressaltamos que a análise do processo de apropriação da escrita elaborada sob a perspectiva psicoafetiva também se pauta em aspectos que se referem ao próprio sujeito-aprendiz, assim como sob as abordagens organicista e cognitivista. Embora o enfoque não seja o biológico, a compreensão de fatos relacionados ao contexto social permanece projetada no aluno, na sua personalidade, na sua família.
A escola, como espaço onde circulam discursos, permanece isenta, pois não se analisa o papel decisivo que ela assume na constituição da subjetividade das crianças e no percurso percorrido na apropriação da escrita.
Considerando que a subjetividade infantil é marcada por efeitos de sentidos discursivos, ao ser apontada como alguém que esta fracassando, entendemos que qualquer criança pode apresentar baixa auto-estima e pouco interesse por essa modalidade de linguagem, principalmente quando a instituição escolar a anuncia como incapaz ou impossibilitada em função de hipóteses e "erros" que, acompanham o processo de apropriação da escrita.
Por isso, diante de um cenário etiológico tão diverso e contraditório, antes de conceber a criança como portadora de um distúrbio, é imprescindível compreender o trajeto trilhado por ela para se apropriar da linguagem escrita bem como os efeitos de práticas discursivas que circundam esse trajeto. Longe dessa compreensão, desprovida de rigor explicativo, a chamada dislexia vem sendo tomada como uma entidade nosográfica que pode estar associada a múltiplas e diferentes desordens – lesão, imaturidade ou disfunção cerebral, anomalia de predomínio hemisférico, transtornos genéticos, alterações metabólicas, nutricionais, oftalmológicas ou emocionais. Essas desordens, de maneira contraditória, são apontadas pela literatura para tentar justificar a existência da suposta patologia como algo inerente ao aprendiz da escrita.
Nesse caminho, apesar de situar-se em um campo conceitual indefinido e arbitrário, a dislexia foi reconhecida como patologia por órgãos oficiais da Europa e dos Estados Unidos, conforme apresento a seguir.
A DISLEXIA (IN)DEFINIDA POR ÓRGÃOS OFICIAIS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
De acordo com Hout (2001a), a World Federation of Neurology, na Europa, definiu a dislexia como um transtorno da aprendizagem da língua escrita que ocorre apesar de uma inteligência normal, da ausência de problemas sensoriais ou neurológicos, de instrução escolar considerada adequada e de oportunidades socioculturais suficientes. Trata-se de uma definição formulada em função de critérios excludentes: um conceito que destaca os fatores causais que não podem determinar ou explicar a chamada dislexia.
Nos Estados Unidos, o reconhecimento da dislexia como um transtorno específico de aprendizagem da linguagem escrita foi aprovado, em 1960, pelo Congresso Nacional daquele país. Segundo Bolaffi (1994), a importância atribuída ao diagnóstico neurológico e um representativo número de crianças diagnosticadas como disléxicas provocaram a criação de leis que garantem a elas uma educação especial, em classes separadas das crianças consideradas normais.
Em 1978, foi sancionada uma lei3 que confere direito à educação para todas as crianças portadoras de deficiências que tece comentários a respeito da dislexia. Tais comentários se fundamentam em um desnível significativo entre as possibilidades intelectuais retratadas pelo quociente de inteligência (QI) da criança ou do adolescente e as suas realizações escolares no âmbito da escrita. Em outras palavras, segundo tais comentários, a pessoa dita disléxica apresenta um desempenho escolar aquém de seu potencial intelectual.
Essa mesma lei define que um dos principais critérios para chegar a um diagnóstico preciso de dislexia é a exclusão de fenômenos causais – transtornos de percepção sensorial, transtornos psiquiátricos primários, patologias neurológicas graves, oportunidade escolar insuficiente e falta de estímulos socioculturais – que poderiam explicar o desnível entre a capacidade intelectual da criança e sua possibilidade de ler e escrever.
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3. A bibliografia que enfoca a dislexia como um distúrbio de aprendizagem afirma que ele só pode ser imputado a indivíduos que, no mínimo, apresentam inteligência média. Para Ianhez e Nico (2002), por exemplo, pessoas com um nível intelectual abaixo do esperado são limítrofes, e não disléxicas.
Portanto, nos Estados Unidos, os critérios para definir a dislexia são similares aos utilizados pela World Federation of ¬Neurology, na Europa, ou seja, são critérios fundamentados em fatores excludentes. Nesse sentido, salientamos, uma vez mais, o fato de a chamada dislexia ser considerada uma perturbação caracterizada pela eliminação de fatores capazes de determinar sua causa, isto é, uma perturbação no processo de apropriação da escrita que se caracteriza por não contar com qualquer explicação causal capaz de justificá-la.
Convém ressaltar ainda que a lei norte-americana, ao mencionar um desnivelamento entre QI e capacidade para ler e escrever, não esclarece o que entende por tal desnivelamento, tampouco explica o conceito de QI. Apesar de escores de testes que determinam o quociente de inteligência serem amplamente utilizados e tomados como principal critério para indicar a capacidade intelectual de uma criança, tais escores não garantem uma distinção clara entre deficiência mental, normalidade e superdotação.
De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia (ABD)4, em 1994, foi divulgada pela International Dyslexia Association5 a definição que vem sendo utilizada:
Dislexia é um dos muitos distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio específico da linguagem, de origem constitucional, caracterizado pela dificuldade em decodificar palavras simples. Mostra uma insuficiência no processo fonológico. Essas dificuldades de decodificar palavras simples não são esperadas em relação à idade. Apesar de submetida a instrução convencionaI, adequada inteligência, oportunidade sociocultural e não possuir distúrbios cognitivos e sensoriais fundamentais, a criança falha no processo de aquisição da linguagem. A dislexia apresentada em várias formas de
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4. A Associação Brasileira de Dislexia é uma organização não-governamen¬tal, sem fins lucrativos, cuja sede fica em São Paulo / SP. Reconhecida em todo o Brasil, essa associação foi fundada em 1983 e, de acordo com o site www.dislexia.org.br – consultado em 13 de outubro de 2006 –, filiou-se, em outubro de 2001, a International Dyslexia Association.
5. A International Dyslexia Association é a mais antiga organização norte-americana que se dedica ao tema. Fundada no ano de 1949, em memória ao neurologista Samuel Orton, tem se dedicado a auxiliar sujeitos diagnosticados como disléxicos, suas famílias e a escola freqüentada por esses sujeitos. De acordo com Nico (2002), essa associação internacional conta com 45 regionais espalhadas par todos os estados norte-americanos, além de manter três entidades internacionais.
dificuldades com diferentes formas de linguagem, freqüentemente incluídos problemas de leitura, em aquisição e capacidade de escrever e soletrar.
Cabe esclarecer que a Associação Brasileira de Dislexia, além de exercer influência sobre estudos, pesquisas e atividades profissionais envolvidas com a temática em todo o país, está vinculada a International Dyslexia Association e compartilha dos mesmos pressupostos dessa organização, que goza de grande prestígio em todos os estados norte-americanos e em outros países. Portanto, o conceito divulgado por essas instituições é amplamente aceito e representativo da visão vigente em torno do que se entende por dislexia.
Sobre a definição em si, a International Dyslexia Associa¬tion – pela Associação Brasileira de Dislexia – deixa claro que entende a linguagem como um código, ao buscar caracterizar a dislexia como um distúrbio especificamente de ordem lingüística. Ela ressalta que a dificuldade da criança estaria relacionada à codificação e decodificação de palavras simples.
Porém, essa visão que concebe a Iíngua como um código – organizado em função de um amontoado de sons, letras, sílabas e palavras isoladas de um contexto significativo – e o aprendiz como um ser passivo, mero memorizador de repetições, está explicitamente pautada em uma perspectiva behaviorista. Tal perspectiva, desenvolvida fundamentalmente por Skinner (1957), torna a linguagem como comportamento verbal, produto de reforço e modelagem que o meio externo proporciona ao aprendiz, negando o papel do sujeito e desconsiderando o processo interlocutivo na construção de objetos lingüísticos.
A genialidade deles não ocorreu apesar da dislexia mas por causa dela!
Ter dislexia não faz de cada disléxico um gênio, mas é bom para a auto-estima de todos os disléxicos saberem que suas mentes funcionam exatamente do mesmo modo que as mentes de grandes gênios. Também é importante saberem que o fato de terem um problema com leitura, escrita, ortografia ou matemática não significa que sejam burros ou idiotas. A mesma função mental que produz um gênio pode também produzir esses problemas.
A função mental que causa a dislexia é um dom, no mais verdadeiro sentido da palavra: uma habilidade natural, um talento. Alguma coisa especial que engrandece o indivíduo.
Alguns Disléxicos Famosos
¤ Agatha Christie / Alexander Graham Bell / Alexander Pope / Albert Einstein / Amy Lowell / Anwar Sadat / Auguste Rodin
¤ Ben Johnson / Beryl Reid (atriz inglesa) / Bruce Jenner
¤ Charles Darwin / Cher (cantora) / Constantino (Rei da Grécia)
¤ Darcy Bussel / David Bailey / David Murdock / Dexter Manley / Don Stroud (ator e campeão mundial de surf) / Duncan Goodhew (campeão de natação)
¤ Francis Bacon / Franklin D. Roosevelt
¤ George Washington / George W. Bush Jr / General George Patton / greg Louganis
¤ Hans Christian Andersen / Harrison Ford / Harry Belafonte / Harvey Xushing (pai da cirúrgia neurological moderna) / Henry Ford / Henry Winkler
¤ Jackie Stewart (piloto de corridas) / John F. Kennedy / John Lennon / John Rigby (dono do parquet temático) / Joyce Bulifant (atriz) / Júlio Cesar
¤ Keira Knightley (atriz inglesa)
¤ Lawrence Lowell / Lewis Carroll (autor) / Leslie Ash (atriz inglesa) / Lindsay Wagner / Lord Addington / Loretta Young / Leonardo Da Vinci
¤ Magic Johnson / Margaret Whitton / Margaux Hemmingway / Mark Stewart (ator / filho de Jackie Stewart) / Mark Twain / Michael Barrymore (comediante) / Michael Hesetine / Michelangelo / Muhammad Ali
¤ Napoleão Bonaparte / Nelson Rockefeller / Nicholas Brady (US Secy Treasury)
Nicholas Bush (Filho do presidente EUA) / Nicholas Parsons (Ator inglês) / Nicola Hicks (Escultora Inglesa)
¤ Oliver Reed (Ator Inglês) / Orlando Bloom (Ator Inglês)
¤ Pablo Picasso / Paul Stewart (piloto de corridaslFilho de Jackie Stewart) /Peter Scott (pintor) / Phil Harris (do Harris Queensway)
¤Quentin Tarantino
¤ Robin Williams / Richard Chamberlain / Richard Rogers (Arquiteto inglês) / Rob Nelson (Jogador de baseball profissional) /Robin Williams / Roy Castle (Ator inglês)
¤ Sarah Miles (Atriz inglesa) / Sir Joshua Reynolds / Stanley AntonotI, D.D.S. / Stephen J. Cannell / Susan Hampshire (Atriz inglesa)
¤ Ted Turner / Thomas A. Edison / Tom Cruise / Tom Smothers
¤ Vincent van Gogh
¤ Walt Disney / Winston Churchill / Walt Disney / Whoopi Goldberg / Willard Wiggins (Escultor) / William Butler Yates / Woodrow Wilson
As recentes gafes lingüísticas do presidente George W. Bush Jr são evidências muito concretas de urna dislexia que se severa a cada ano, a cada evento, a cada nova circunstância política. Mais recentemente, em fevereiro de 2002, durante sua visita ao Japão, em entrevista coletiva conjunta com o primeiro ¬ministro japonês Junichiro Koizumi, Bush disse "desvalorização" em vez de "deflação", o que acabou por provocar pânico no mercado de câmbios. Qual a origem dos lapsos de Bush Jr?
Os tropeços verbais de Bush não são de hoje. Ele é famoso por suas inumeráveis gafes lingüísticas em matéria de política internacional. Decerto, isso não ocorre somente por ignorância ou desinformação, mas por ser portador de dislexia. Durante sua campanha à Presidência dos EUA, seus lapsos gramaticais e, principalmente, ao inventar, nos discursos de improviso, palavras inusitadas e estranhas ao idioma inglês, tal comportamento lingüístico indicava, para os opositores, um despreparo para assumir a presidência dos EUA. Todavia, a dislexia de Bush, herança familiar, não compromete nem comprometeu, até agora, sua inteligência e capacidade de liderar o País.
Bush é um disléxico com visão de mundo, e ficará na história, não apenas pelos atentados de 11 de setembro, mas também como um homem que faz a auto-anulação de seus erros, ao admitir e rir dos lapsos de linguagem. Quando erra, quando troca 1etra ou palavra, não pensa em duas vezes para, em seguida, pedir desculpas ao interlocutor pela troca involuntária e dá um sorriso franco, próprio de quem aprendeu a vencer os próprios limites de linguagem verbal. O que acontece com Bush aconteceu com figuras proeminentes como Leonardo Da Vinci, William Butler Yeats, Albert Einstein e também o ex¬-governador de Nova York David Rockefeller.
Ao que tudo indica a dislexia de Bush é hereditária. O avô de George Bush Jr, Prescott Bush, era disléxico. As dificuldades de leitura também podem ser constatadas no seu irmão Neil, que já recebeu um diagnóstico de dislexia. Da família, Bush Jr, em que pese ter consciência do problema lingüístico, ainda não se submeteu aos testes de diagnóstico de dislexia. Sua mãe, Barbara, porém, tem participado de várias campanhas sobre o esclarecimento dessa síndrome e admite, publicamente, as dificuldades de leitura e de compreensão de textos nos demais membros da família.
No caso da troca de "deflação" por "desvalorização", esta clara manifestação de comportamento disléxico recebe, no âmbito dos estudos sobre as dificuldades de leitura, o nome de paralexia verbal. A paralexia designa o comportamento de um paciente que substitui uma palavra por outra quando lê ou escreve. O disléxico escuta bem, mas não pode processar rapidamente todos os sons de uma palavra. Desse modo, quando repete uma palavra que escutou o faz omitindo ou alterando o lugar ou contexto dos sons da palavra. Por isso, em geral, falta ao disléxico, a consciência fonológica.
Por ser um presidente de uma grande potência mundial, o comportamento disléxico de Bush tem sido desastroso não só para a sua própria imagem de estadista, objeto de muita chacota por parte de políticos e jornalistas do mundo inteiro, mas compromete, por vezes, a paz mundial, quando apresenta sinais de beligerância, cansaço, stress ou humor visceral, como os verificados na declaração de guerra ao Afeganistão.
Uma outra compreensão de sua dislexia pode nos levar a afirmar que suas dificuldades verbais revelam seu desconhecimento para tratar com a etnolinguistica do mundo ocidental e oriental, o que certamente, justificaria que, em muitos de seus discursos, chame "kosovarianos" aos kosovares, "grecianos" aos gregos, "timorianos" aos timorenses. Ou, ainda, que confunda, Eslováquia por Eslovênia e aos talibães com um grupo de rock.
Mais recentemente, termos como "declaração de guerra" e "eixo do mal", sem o peso da carga semântica que a mídia parece supor, indicam o risco, sempre iminente, de confronto mundial.
Em todo caso, consciente de suas limitações no plano da linguagem verbal, Bush Jr tem se comportado como um "ator de discurso memorizado" e tem procurado, outrossim, convencer seus eleitores de que pode ser Presidente não apenas com palavras, mas com gestos. Eis então a explicação porque um disléxico conseguiu chegar à Presidência dos EUA: desenvolveu a capacidade de gostar das pessoas, de ouvir e de estar sempre próximo do povo.
Nem todos os disléxicos desenvolvem os mesmos dons, mas eles certamente possuem algumas funções mentais em comum. Aqui estão as habilidades básicas de que todos os disléxicos compartilham:
1. São capazes de utilizar seu dom mental para alterar ou criar percepções (a habilidade primária).
2. São altamente conscientes do meio ambiente.
3. São mais curiosos que a média.
4. Pensam principalmente em imagens, em vez de palavras.
5. São altamente intuitivos e capazes de muitos insights.
6. Pensam e percebem de forma multidimensional (utilizando todos os sentidos).
7. Podem vivenciar o pensamento como realidade.
8. São capazes de criar imagens muito vívidas.
Estas oito habilidades básicas, se não forem suprimidas, anuladas ou destruídas pelos pais ou pelo processo educacional, resultarão em duas características: inteligência acima do normal e extraordinária criatividade. A partir daí, o verdadeiro dom da dislexia pode emergir – o dom da mestria.
Antes que um disléxico possa perceber e apreciar plenamente o lado positivo da dislexia, devemos considerar seu lado negativo. Isto não quer dizer que o lado positivo não possa vir à tona enquanto os problemas ainda existirem. O dom está sempre presente, mesmo que não seja reconhecido. De fato, muitos disléxicos adultos usam o lado positivo da dislexia em suas carreiras sem se darem conta. Acreditam apenas que têm um jeito para fazer determinadas coisas, sem perceberem que seu talento especial vem das mesmas funções mentais que os impedem de ler e escrever muito bem.
As dificuldades mais comuns da dislexia ocorrem na leitura, na escrita, na ortografia ou na matemática, mas também aparecem em muitas outras áreas. Cada caso é diferente do outro, porque a dislexia é uma condição autogerada. Não existem dois disléxicos que a tenham desenvolvido exatamente da mesma maneira.
A dislexia é o resultado de um talento perceptivo. Em algumas situações, ele pode se tornar uma desvantagem. O individuo não percebe que isso acontece, porque o uso desse talento tornou-se parte integrante do seu processo de pensamento.
A palavra dislexia foi o primeiro termo genérico utilizado para designar vários problemas de aprendizagem. Em seu devido tempo, com o intuito de descrever as diferentes formas de transtornos de aprendizagem, esses problemas foram subdivididos e classificados. Por esta razão podemos chamar a dislexia de “A Mãe dos Transtornos de Aprendizagem”.
Originalmente, os pesquisadores acreditavam que os disléxicos teriam sofrido algum tipo de lesão cerebral ou nervosa, ou seriam portadores de uma disfunção congênita. Em qualquer um dos casos, haveria uma interferência nos processos mentais necessários à leitura.
No fim da década de 1920, o doutor Samuel Torrey Orton redefiniu a dislexia como uma “lateralização cruzada do cérebro”. Isto significava que o lado esquerdo do cérebro estaria fazendo o que o lado direito supostamente deveria fazer, e o lado direito estaria fazendo o trabalho do lado esquerdo. Contudo, isto era apenas uma teoria e, em pouco tempo, o doutor Orton concluiu que estava incorreta. Ele apresentou então uma segunda teoria, afirmando tratar-se de uma “dominância hemisférica mista”, o que por sua vez significava que o lado esquerdo do cérebro estaria às vezes fazendo o que o lado direito deveria fazer, e vice-versa.
Existem hoje muitas teorias diferentes sobre o que é a dislexia e sobre suas causas. A maior parte dessas teorias foi formulada para explicar os sintomas ou as características da dislexia – e por que o transtorno ocorreu.
Sob diferentes perspectivas, serão apresentadas na seqüência três grandes abordagens que buscam explicar o que entendem por dislexia: a organicista, a cognitivista ou instrumental e a psicoafetiva.
A visão organicista é representada pela área médica, cujas explicações parecem multiplicar-se de acordo com cada especialidade da medicina disposta a esclarecer questões escolares relacionadas ao processo de apropriação da linguagem escrita. Além disso, é comum, no interior de uma mesma especialidade, verificar posicionamentos divergentes para o que tem sido considerado dislexia. No âmbito da própria neurologia – primeira especialista médica que buscou fundamentar e categorizar fatos relacionados à aprendizagem da escrita como um distúrbio – não se encontra uma posição única.
A tentativa de explicitar tais fatos com base no mesmo entendimento clínico – localizacionista – utilizado para esclarecer a afasia foi questionada por Orton, em 1925. Para esse neurologista americano, distúrbios de aprendizagem da escrita apresentados por uma criança em fase de alfabetização deveriam ser compreendidos de maneira diferente daqueles transtornos adquiridos e manifestados pelo adulto. Após examinar cerca de três mil crianças que apresentavam dificuldades relativas a leitura e a ortografia, Orton afirmou que distúrbios de aprendizagem da língua escrita, na infância, estariam relacionados a um defeito no reconhecimento da orientação das letras e de sua seqüência nas palavras, ressaltando que, apesar de apresentarem problemas na escrita, a percepção visual e a orientação espacial dos sujeitos que examinou mostravam-se intactas. No seu entendimento, esse defeito era decorrente de uma falha no desenvolvimento da dominância hemisférica cerebral.
Por isso, propôs o uso do termo "estrefossimbolia" – que significa simbolização distorcida – acentuando uma característica que julgava fundamental: a produção de letras invertidas1. Baseado nessa suposição, Orton buscou substituir a denominação anteriormente dada, "cegueira verbal congênita", pois, segundo seu ponto de vista,
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1. De acordo com Quirós e Della Cella (1972), tais inversões de letras eram comuns em quadros de crianças ditas disléxicas, as quais trocavam, por exemplo: “b” por “d”, “p” por “q”, “b” por “q”, “o” por”q”, “n” por “u”.
tratava-se de uma anomalia de predomínio hemisférico e não de uma lesão cerebral focal.
Apesar de influenciar uma série de pesquisas, o estudo proposto por Orton vem sendo substituído por outras hipóteses, com explicações consideravelmente divergentes entre si. Condemarin e Blomquist (1986); por exemplo, citam pesquisas que buscam explicar dificuldades de aprendizagem da escrita em função de fatores hereditários. Considerando determinada amostra, essas pesquisas afirmam que aproximadamente 80% dos sujeitos analisados tinham parentes - pais, avós, tios, irmãos, entre outros - que também relatavam tais dificuldades.
Entretanto, a base desses estudos vem sendo criticada. Segundo Pamplona-Moraes (1997), pesquisadores afirmam que a hipótese genética encerra uma falácia lógica, pois, ao estudar questões relativas à linguagem escrita em crianças di¬tas disléxicas e seus familiares, visto que tanto a criança como seus parentes compartilham do mesmo ambiente social, não é possível estabelecer o que é herdado geneticamente e o que é aprendido socialmente.
Distanciados da proposta genética, mas compartilhando de mesma visão biológica determinista, Smith e Carrigan (1959) propõem que a chamada dislexia pode ser decorrente de uma irregularidade no equilíbrio da química cerebral, ocasionada por excesso ou carência do composto acetilcoli¬na-colinesterase, no cérebro. Segundo esses autores, tal peculiaridade poderia ser explicada em termos de enfermidades metabólicas, desnutrição, entre outras.
Ainda na ótica organicista, distúrbios do movimento ocular poderiam explicar os chamados sintomas disléxicos na infância. De acordo com Hout (2001b), estudos oftalmológicos, ¬ao comparar o movimento ocular de crianças diagnosticadas como disléxicas com crianças ditas normais, concluíram que irregularidades na mobilidade dos olhos poderiam explicar ¬dificuldades no aprendizado da leitura e escrita. No entanto, pesquisas similares que utilizaram metodologia análoga não confirmaram a conclusão desses estudos.
Assim, acompanhamos explicações neurológicas, genéticas, metabólicas, oftalmológicas, as quais procuram associar questões referentes à apropriação da escrita com defasagens ¬orgânicas. Essas explicações denunciam um modelo de ciência que, ao estudar o ser humano, conforma-se aos preceitos das ciências naturais fazendo atividades humanas serem percebidas como coisas e retificadas como propriedades localizadas no organismo de indivíduos.
A busca, por exemplo, de explicação genética para questões da apropriação da escrita denuncia o uso de visão biológica determinista para justificar características de atividades humanas como naturais, biologicamente dadas. Questões escolares são tratadas como de natureza orgânica – nesse caso, seriam causadas por genes –, encobrindo diferenças humanas nos pIanos sociais e individuais. As desigualdades sociais e as diversidades no desempenho individual da criança são, nessa visão, interpretadas por meio de critérios genéticos – inevitáveis e imutáveis. Essa interpretação faz as análises do cotidiano escolar e do processo de apropriação do objeto escrito permanecerem restritas ao signo da patologização individual.
De qualquer forma, apesar de a ótica organicista ter apresentado uma série de hipóteses na tentativa de explicitar as causas da dislexia como um distúrbio específico de aprendizagem, ela não chegou a resultados conclusivos. As explicações causais apontadas por essa ótica não ultrapassaram o plano de suposições contraditórias entre si.
A perspectiva cognitivista ou instrumental
Além da visão organicista, dificuldades relacionadas à aprendizagem da escrita também foram enfocadas com base em critérios ditos cognitivistas ou instrumentais. Esse enfoque desenvolveu-se, segundo Condemarin e Blomquist (1986), principalmente a partir dos anos 1950 por um grupo de médicos e psicólogos europeus. Embora esse enfoque tenha procurado afastar-se de pressupostos exclusivamente organicistas, acabou por filiar-se a eles à medida que buscou explicar aquelas dificuldades como sendo decorrentes de disfunções mentais ou imaturidades relacionadas ao sistema nervoso central.
Na visão cognitivista, os termos "disfunção" e "imaturidade" contrapõem-se à noção de lesão e malformação. Passam a ser usados para descrever função cerebral supostamente anormal, a qual poderia acarretar desordens cognitivas – também chamadas de instrumentais -, que, por sua vez, interfeririam negativamente na aprendizagem da escrita. Portanto, nessa abordagem, deficiências cognitivas – decorrentes de disfunções2 cerebrais – seriam tomadas como causa da chamada dislexia e poderiam afetar diferentes processos de construção do objeto escrito, tais como: a percepção visual, a percepção auditiva, a memória e a estruturação espaço-temporal.
Para representantes da perspectiva cognitivista, além da dificuldade para aprender a ler e a escrever, a criança considerada disléxica geralmente apresentaria outras características, descritas como problemas relacionados ao esquema corporal e à sua imagem. Elas teriam dificuldades quanto à noção de direita-esquerda, transtornos espaço-temporais, distúrbios do padrão motor – o qual influenciaria na despreza manual –, perturbações analítico-sintéticas, entre outras. Nesse contexto, Fonseca (1995) propõe que desordens práxicas ou psicomotoras poderiam ocasionar problemas na aprendizagem da leitura e da escrita. Na sua opinião, a integração cerebral de subsistemas psicomotrizes faria emergir movimentos responsáveis pela escrita de uma letra ou pela emissão oral de uma palavra, sugerindo que dificuldades próprias da dislexia poderiam ser tomadas como conseqüências de desordens psicomotoras.
Entretanto, estudos realizados sob a perspectiva cognitivista são incipientes e carecem de maiores investigações. Para Vellutino (1982), não é possível afirmar que problemas de esquema corporal, transtornos de memória, desestruturações espaço-temporais, aspectos psicomotores, entre outros, sejam peculiares a crianças tomadas como disléxicas. Eles podem ser encontrados em qualquer sujeito, ou seja, ¬em aprendizes considerados portadores de dificuldades para ¬ler e escrever e, também, em alunos que seguem o fluxo previsto pela escola. Concordando com Vellutino, García (1998) afirma que essa abordagem não se sustenta, pelo fato ¬de se assentar em explicações distantes das especificidades da linguagem escrita.
Associados ao enfoque cognitivista, outros autores – pautados na explicação de uma função anormal do cérebro – propõem que dificuldades de aprendizagem da escrita poderiam ser explicadas com base em disfunção cerebral mínima. Conforme
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2. O termo "disfunção" é usado para referir-se a uma alteração na função cerebral. Assim, partindo de uma noção de disfunção, não seria necessário contar com correspondência e/ou evidência anatômica, diferentemente da hipótese que apostava na possibilidade de haver uma lesão ou malformação encefálica, conforme enfoque organicista.
Selikowitz (2001), tal disfunção seria caracterizada em termos de anormalidades de neurotrans¬missores – elementos químicos naturais que transmitem mensagens entre as células cerebrais. Essas anormalidades poderiam originar distúrbios de comportamento infantil descritos como parte de uma síndrome hipercinética que, por sua vez, ocasionaria dificuldades de aprendizagem.
Porém, como todas as hipóteses apresentadas, essa explicação não passa de uma suposição. Aliás, vale ressaltar que, segundo Selikowitz, a própria noção de disfunção cerebral mínima vem sendo criticada, sobretudo pelo fato de ter despertado a possibilidade de serem utilizados tratamentos medicamentosos para corrigir uma hipotética desordem química no cérebro.
Nesse mesmo contexto cognitivista, identificamos ainda autores como L. Giordano e L. H. Giordano (1973) e Critchley (1974), os quais defendem a opinião de que crianças consideradas disléxicas poderiam ser vítimas de um retardo na maturação cerebral. Nessa visão, problemas de ordem ma¬turacional poderiam acarretar deficiências em certas funções corticais, as quais ocasionariam limitações relacionadas à aprendizagem e, assim, explicariam a origem das dificuldades relativas à aquisição da escrita. Contudo, tanto a hipótese da disfunção cerebral mínima como a que defende imaturidade neurológica são, de acordo com Grégoire e Piérart (1997), frágeis, pois ambas, sem esclarecimento etiológico, procuram sustentar suas opiniões com base na coleta de dados comportamentais, elaborada por meio de exames e testes aplicados em criança ditas disléxicas.
Fazendo uma breve analise acerca dos dois enfoques apresentados – a visão organicista e a perspectiva cognitivista ou instrumental –, percebemos que se pautam no mesmo princípio. Os dois buscam explicações para aquilo que entendem como dislexia com base em uma lesão (na ótica organicista) ou em uma disfunção ou imaturidade (no enfoque instrumental ou cognitivista) localizada no sujeito, isto é, em questões intrínsecas a ele. Essas duas abordagens, embora com roupagens aparentemente distintas, procuram, sob o domínio das ciências naturais, explicar o que consideram um distúrbio de aprendizagem apoiadas em suposições acerca do aparato biológico da criança. Patologizam questões referentes à apropriação da linguagem escrita e ocultam a própria criança, uma vez que desconsideram a sua história, o seu saber, o seu dizer.
Em um contexto explicitamente lacunar, a posição neurobiológica – assumida pelas abordagens organicista e cognitivista – parece conviver, ainda, com uma visão psicoafetiva que, sem se opor aos demais enfoques, sugere que a dislexia seja tomada como decorrente de um problema intimamente relacionado à personalidade da criança.
A visão psicoafetiva
A abordagem psicoafetiva procura explicar o que toma por problemas na aquisição da escrita com base em perturbações afetivas da criança. Pautados nesta abordagem, psicólogos clínicos buscaram explicar dificuldades na aprendizagem da linguagem escrita em função de problemas emocionais. Para Serrano (2001), por exemplo, transtornos de aprendizagem podem estar associados a três sintomas psicopatológicos: à síndrome depressiva, aos estados de ansiedade e aos transtornos comportamentais.
A depressão infantil perturba, segundo o autor, o processo de aprendizagem, porque a criança nesse estado tem sua atenção e concentração reduzidas; além disso, seu prazer em aprender também é diminuído. Os estados de insegurança e ansiedade – que geralmente coexistem com manifestações depressivas – podem estar associados ao temor do fracasso ante a aquisição da escrita, interferindo na aprendizagem dessa modalidade de linguagem e dificultando o desenvolvimento dos processos de atenção e memória.
A incidência de transtornos de comportamento, vinculados a dificuldades de aprendizagem e a atitudes anti-sociais, é bastante freqüente, segundo Serrano. De acordo com o autor, a criança disléxica mostra-se impulsiva e se enfurece com facilidade, manifestando pouca capacidade para lidar com limites e frustrações. No entanto, adverte que essas atitudes podem estar relacionadas ao posicionamento assumido pelos familiares – que interpretam as dificuldades escolares da criança como sinais de "má vontade" ou "preguiça". Nesse sentido, Serrano afirma que fatores emocionais podem estar associados ao que se chama de dislexia. Essa associação entre dificuldades de leitura e escrita com questões de ordem emocional parece ser um consenso na literatura. Todavia, convém mencionar que tais questões, conforme Pamplona-Moraes (1997), geralmente apresentadas por crianças ditas disléxicas, não devem ser tomadas como aspectos que determinam o que se chama de dislexia, mas, ao contrario, como resultado dela.
Nesse ponto, ressaltamos que a análise do processo de apropriação da escrita elaborada sob a perspectiva psicoafetiva também se pauta em aspectos que se referem ao próprio sujeito-aprendiz, assim como sob as abordagens organicista e cognitivista. Embora o enfoque não seja o biológico, a compreensão de fatos relacionados ao contexto social permanece projetada no aluno, na sua personalidade, na sua família.
A escola, como espaço onde circulam discursos, permanece isenta, pois não se analisa o papel decisivo que ela assume na constituição da subjetividade das crianças e no percurso percorrido na apropriação da escrita.
Considerando que a subjetividade infantil é marcada por efeitos de sentidos discursivos, ao ser apontada como alguém que esta fracassando, entendemos que qualquer criança pode apresentar baixa auto-estima e pouco interesse por essa modalidade de linguagem, principalmente quando a instituição escolar a anuncia como incapaz ou impossibilitada em função de hipóteses e "erros" que, acompanham o processo de apropriação da escrita.
Por isso, diante de um cenário etiológico tão diverso e contraditório, antes de conceber a criança como portadora de um distúrbio, é imprescindível compreender o trajeto trilhado por ela para se apropriar da linguagem escrita bem como os efeitos de práticas discursivas que circundam esse trajeto. Longe dessa compreensão, desprovida de rigor explicativo, a chamada dislexia vem sendo tomada como uma entidade nosográfica que pode estar associada a múltiplas e diferentes desordens – lesão, imaturidade ou disfunção cerebral, anomalia de predomínio hemisférico, transtornos genéticos, alterações metabólicas, nutricionais, oftalmológicas ou emocionais. Essas desordens, de maneira contraditória, são apontadas pela literatura para tentar justificar a existência da suposta patologia como algo inerente ao aprendiz da escrita.
Nesse caminho, apesar de situar-se em um campo conceitual indefinido e arbitrário, a dislexia foi reconhecida como patologia por órgãos oficiais da Europa e dos Estados Unidos, conforme apresento a seguir.
A DISLEXIA (IN)DEFINIDA POR ÓRGÃOS OFICIAIS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
De acordo com Hout (2001a), a World Federation of Neurology, na Europa, definiu a dislexia como um transtorno da aprendizagem da língua escrita que ocorre apesar de uma inteligência normal, da ausência de problemas sensoriais ou neurológicos, de instrução escolar considerada adequada e de oportunidades socioculturais suficientes. Trata-se de uma definição formulada em função de critérios excludentes: um conceito que destaca os fatores causais que não podem determinar ou explicar a chamada dislexia.
Nos Estados Unidos, o reconhecimento da dislexia como um transtorno específico de aprendizagem da linguagem escrita foi aprovado, em 1960, pelo Congresso Nacional daquele país. Segundo Bolaffi (1994), a importância atribuída ao diagnóstico neurológico e um representativo número de crianças diagnosticadas como disléxicas provocaram a criação de leis que garantem a elas uma educação especial, em classes separadas das crianças consideradas normais.
Em 1978, foi sancionada uma lei3 que confere direito à educação para todas as crianças portadoras de deficiências que tece comentários a respeito da dislexia. Tais comentários se fundamentam em um desnível significativo entre as possibilidades intelectuais retratadas pelo quociente de inteligência (QI) da criança ou do adolescente e as suas realizações escolares no âmbito da escrita. Em outras palavras, segundo tais comentários, a pessoa dita disléxica apresenta um desempenho escolar aquém de seu potencial intelectual.
Essa mesma lei define que um dos principais critérios para chegar a um diagnóstico preciso de dislexia é a exclusão de fenômenos causais – transtornos de percepção sensorial, transtornos psiquiátricos primários, patologias neurológicas graves, oportunidade escolar insuficiente e falta de estímulos socioculturais – que poderiam explicar o desnível entre a capacidade intelectual da criança e sua possibilidade de ler e escrever.
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3. A bibliografia que enfoca a dislexia como um distúrbio de aprendizagem afirma que ele só pode ser imputado a indivíduos que, no mínimo, apresentam inteligência média. Para Ianhez e Nico (2002), por exemplo, pessoas com um nível intelectual abaixo do esperado são limítrofes, e não disléxicas.
Portanto, nos Estados Unidos, os critérios para definir a dislexia são similares aos utilizados pela World Federation of ¬Neurology, na Europa, ou seja, são critérios fundamentados em fatores excludentes. Nesse sentido, salientamos, uma vez mais, o fato de a chamada dislexia ser considerada uma perturbação caracterizada pela eliminação de fatores capazes de determinar sua causa, isto é, uma perturbação no processo de apropriação da escrita que se caracteriza por não contar com qualquer explicação causal capaz de justificá-la.
Convém ressaltar ainda que a lei norte-americana, ao mencionar um desnivelamento entre QI e capacidade para ler e escrever, não esclarece o que entende por tal desnivelamento, tampouco explica o conceito de QI. Apesar de escores de testes que determinam o quociente de inteligência serem amplamente utilizados e tomados como principal critério para indicar a capacidade intelectual de uma criança, tais escores não garantem uma distinção clara entre deficiência mental, normalidade e superdotação.
De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia (ABD)4, em 1994, foi divulgada pela International Dyslexia Association5 a definição que vem sendo utilizada:
Dislexia é um dos muitos distúrbios de aprendizagem. É um distúrbio específico da linguagem, de origem constitucional, caracterizado pela dificuldade em decodificar palavras simples. Mostra uma insuficiência no processo fonológico. Essas dificuldades de decodificar palavras simples não são esperadas em relação à idade. Apesar de submetida a instrução convencionaI, adequada inteligência, oportunidade sociocultural e não possuir distúrbios cognitivos e sensoriais fundamentais, a criança falha no processo de aquisição da linguagem. A dislexia apresentada em várias formas de
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4. A Associação Brasileira de Dislexia é uma organização não-governamen¬tal, sem fins lucrativos, cuja sede fica em São Paulo / SP. Reconhecida em todo o Brasil, essa associação foi fundada em 1983 e, de acordo com o site www.dislexia.org.br – consultado em 13 de outubro de 2006 –, filiou-se, em outubro de 2001, a International Dyslexia Association.
5. A International Dyslexia Association é a mais antiga organização norte-americana que se dedica ao tema. Fundada no ano de 1949, em memória ao neurologista Samuel Orton, tem se dedicado a auxiliar sujeitos diagnosticados como disléxicos, suas famílias e a escola freqüentada por esses sujeitos. De acordo com Nico (2002), essa associação internacional conta com 45 regionais espalhadas par todos os estados norte-americanos, além de manter três entidades internacionais.
dificuldades com diferentes formas de linguagem, freqüentemente incluídos problemas de leitura, em aquisição e capacidade de escrever e soletrar.
Cabe esclarecer que a Associação Brasileira de Dislexia, além de exercer influência sobre estudos, pesquisas e atividades profissionais envolvidas com a temática em todo o país, está vinculada a International Dyslexia Association e compartilha dos mesmos pressupostos dessa organização, que goza de grande prestígio em todos os estados norte-americanos e em outros países. Portanto, o conceito divulgado por essas instituições é amplamente aceito e representativo da visão vigente em torno do que se entende por dislexia.
Sobre a definição em si, a International Dyslexia Associa¬tion – pela Associação Brasileira de Dislexia – deixa claro que entende a linguagem como um código, ao buscar caracterizar a dislexia como um distúrbio especificamente de ordem lingüística. Ela ressalta que a dificuldade da criança estaria relacionada à codificação e decodificação de palavras simples.
Porém, essa visão que concebe a Iíngua como um código – organizado em função de um amontoado de sons, letras, sílabas e palavras isoladas de um contexto significativo – e o aprendiz como um ser passivo, mero memorizador de repetições, está explicitamente pautada em uma perspectiva behaviorista. Tal perspectiva, desenvolvida fundamentalmente por Skinner (1957), torna a linguagem como comportamento verbal, produto de reforço e modelagem que o meio externo proporciona ao aprendiz, negando o papel do sujeito e desconsiderando o processo interlocutivo na construção de objetos lingüísticos.
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